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Entrevistas

Entrevista: João Moreira Salles

Documentaristas fala de Santiago

Por Luiz Joaquim | 21.09.2007 (sexta-feira)

O documentarista João Moreira Salles vem angariando a cada novo trabalho a simpatia da crítica e do público. Com o novo “Santiago”, em cartaz no Cinema da Fundação, Salles atinge um amadurecimento que deixa transparecer além das telas. Nesta entrevista por e-mail, ele fala da razão de ter resgatado o material do filme, rodado em 1992, comenta seu interesse pela forma do documentario, fala do novo projeto do irmão, Walter Salles, e de seu novo documentário, no qual resgata também imagens de seu arquivo familiar, envolvendo a China.

Em “Santiago”, você comenta que retornou ao material bruto porque desejava retomar uma memória da infância e juventude que naturalmente ficava para trás, mas o que foi decisivo para, 13 anos depois, te fazer pensar: “Agora é certo. Vou me dedicar a esse filme”?

Uma baita confusão de vida. Tinha ultrapassado a marca dos 40 anos, começaram a aparecer dúvidas em relação à minha profissão — continuar nela ou não –, surgiram também as primeiras ansiedades relativas à passagem do tempo e à consciência de que as coisas acabam. Achei que retomar o fime poderia me ajudar a dar um pouco de forma a toda essa perplexidade. As imagens remetiam à minha infância e juventude, às minhas memórias, portanto eram um modo de pensar sobre o tempo e a maneira como ele passa. Por sorte, essas eram as grandes procupações do Santiago.

O realizador João Moreira Salles e a pessoa João Moreira Salles estão muito expostas em “Santiago”, foi essa razão que quase o fez não lançar o filme comercialmente?

Talvez. Na época, achei que, por ser tão pessoal, o filme interessaria apenas a mim, à minha família e a um círculo muito pequeno de pessoas que viveram um pouco daquela história. É preciso explicar que fiz Santiago da forma mais amadora possível. Ou seja, entrei na ilha de edição sem nenhuma obrigação de sair dali com um filme. Não tinha patrocinadores, contratos de produção, verbas incentivadas. O filme era só meu — podia fazer dele o que quisesse, ou pudesse. Não pensei em espectadores, em crítica, em festivais. Pensei em mim e no Santiago. Quando ficou pronto, continuei sem saber se aquilo tinha algum interesse. Claro que a questão pessoal também entrou nessa conta. Filmes na primeria pessoa são muito constrangedores.

A trilha sonora, entre outros quesitos, me parece determinante em “Santiago”. Que cuidados tomou aqui?

Não houve um grande raciocínio nem uma grande pesquisa. Um dia entrei numa loja de discos e estava tocando o CD do Rodrigo Leão, de quem eu jamais tinha ouvido falar. O tom meio circense, quase felliniano, me chamou a atenção. Comprei e deixei guardado. Curiosamente, o disco se chamava “Música de cinema”. Dois anos mais tarde, me peguei usando aquelas músicas em Santiago. História parecida aconteceu com a trilha do Decálogo de Kieslowski, composta pelo polonês Zbigniew Preisner. Aquilo sempre me pareceu muito bonito. É misterioso e elegíaco. Comprei os direitos e usei. Santiago gostava muito de música. Passei minha infância vendo-o dançar ao som de Bach e, como mostro no filme, ouvindo-o no piano, geralmente tocando Beethoven. Era difícil fazer um filme sobre ele sem que a música tivesse um papel importante.

Entramos no cinema para conhecer o ex-mordomo de sua família e nos deparamos com uma reflexão sobre a memória, sobre a fugacidade de vida, sobre o tempo, sobre o anonimato, sobre o próprio fazer cinematográfico, além de outros aspéctos… seriam estas as razões que estão dando um inicial boa performance do filme nas bilheterias?

Ah, isso só perguntando aos espectadores. Posso apenas especular. Se o filme fosse apenas sobre a história da minha família, teria um interesse muito limitado. Santiago é um personagem fascinante, e isso poderia levar as pessoas ao cinema, mas desconfio que não se trata apenas dele. Há um componente que sem dúvida é universal e faz parte da experiência de todos nós. É o que você chama de fugacidade da vida. Memória, passado, fim das coisas, tentativa de atardar a passagem do tempo — tudo isso está no filme porque, como disse, era o centro das preocupações do Santiago. Talvez as pessoas encontrem aí um ponto de contato com suas próprias ansiedades. Santiago enfrenta essas questões de maneira prodigiosa, não é derrotado por elas. E isso é bom de ver.

Você chegou a declarar, recentemente, seu atual desinteresse pela confecção de documentários. Seria mais uma desilusão com o cinema ou com as pessoas?

Não, é possível que eu tenha me expressado mal. Clatro que me interesso pelas pessoas mas, no momento, me interesso ainda mais pelas possibilidades do documentário. Para usar um par meio gasto, eu te diria que, hoje, a forma do cinema não-ficcional me parece mais interessante do que o seu conteúdo. É claro que não faço disso uma hierarquia. A questão é outra. Para que eu possa falar melhor das coisas, eu preciso inventar uma nova maneira de falar, o que não é nada fácil. Enquanto não descobrir isso, fazer mais um documentário à moda dos antigos não me estimula.

O novo projeto de Walter Salles, “Linha de Passe”, fala de um adolescente prestes a completar 18 anos e tenso com a possibilidade de não realizar o sonho de sua vida, ser jogador de futebol, o que se assemelha bastante com um dos focos do recente documentário que você comandou, “Futebol”. Você esteve, está ou estará colaborando com “Linha de Passe”?

Infelizmente, não. É claro que li o roteiro, dei um ou dois palpites, mas isso é praxe entre nós dois. Mostro meus documentários para ele, Waltinho me fala dos projetos que está pensando em realizar. Mas faz muito tempo que a gente não colabora, e isso é uma pena. O problema é que cada um tem o seu próprio tempo, as suas prioridadades, e nem sempre dá para combinar as agendas. Torço muito para que, no futuro, a gente possa encontrar um projeto comum.

Você confirma que seu próximo documentário será feito a partir de imagens de arquivo (como “Santiago”) de uma viagem que sua mãe fez a China da revolução cultural? Se sim, pode-se dizer que o novo filme também ganhará um tom de revisão de seu passado?

Isso ainda é uma idéia muito incipiente. Não sei se vou realizá-la. Se eu for adiante, será menos uma volta ao passado do que uma tentativa de infiltrar a ficção nas imagens de arquivo. Certamente haverá narração, mas narração inventada, tanto por personagens reais, como por personagens fictícios. O material de arquivo se prestará a suporte para um registro de viagem factual e também à história inventada de pessoas que nunca existiram. Isso tem a ver com o que eu disse lá em cima. É uma experiência com a forma. Tal como Santiago, será absolutamente amador. Se der certo, bacana. Se não der, ninguém sai machucado.

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