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Críticas

O Tempo e O Lugar

Cabra marcado para viver

Por Luiz Joaquim | 28.05.2008 (quarta-feira)

Muita polêmica é o que deve gerar (já está gerando no Rio e São Paulo) o documentário “O Tempo e O Lugar” (Brasil, 2008) que estréia amanhã (sexta, 29) no Cinema da Fundação (Recife). Sob a direção de Eduardo Escorel, o filme é o resultado do reencontro, 12 anos depois, entre o respeitado cinesta e o agricutor alagoano de Inhapi, Genivaldo da Silva. Nada demais se o “Geno” não fosse a pessoa que é, com a história política que carrega desde os anos 1980.

Naquela época, Genivaldo envolveu-se com a Pastoral da Terra e, posteriormente, com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais até chegar ao MST. Pelo Movimento dos Sem-Terra, ele comenta ter participado de um treinamento de guerrilha nos padrões do Sendero Luminoso e chama atenção para uma radicalidade da organização que sustenta a “causa” como mais valiosa que a sua própria vida.

Está nesse ponto o sinal mais conflitante de “O Tempo e O Lugar”. Conflitante para aqueles que desejam respostas do documentário como se fosse uma investigação jornalística. No debate realizado após a sessão de pré-estréia, terça-feira na sala da Fundaj, Escorel lembrou que o desejo da obra é resgatar a história de um agricultor familiar, numa época e num lugar espécifico.

Como Genivaldo é um homem carismático e sem maquiagem no discurso, o discurso do filme, que se confunde com o do próprio agricultor, toca em feridas nunca sicratizadas pela política social brasileira. E esse toque incomoda.

Nesse plano, entram em questão as opções de filiação política de Gêno. Num primeiro momento ligado ao PT (foi candidato derrotado há alguns anos à prefeitura de Inhapi), Genivaldo é hoje vinculado ao partido de situação atuamente na administração do município. Por tal postura, o Genivaldo pai travou conflitos com o filho petista, o Claudemir, que não apenas divergiu dele, como foi o primeiro a assinar uma ata expulsando o pai do partido do Presidente Lula.

Política a parte, “O Tempo e O Lugar” também abre espaço para o indivíduo Genivaldo. Mostra o homem em três momentos: 1996, quando Escorel o conheceu ao preparar o programa “Gente que Faz”, a convite do Bamerindus e exibindo nas noites de sábado antes do Jornal Nacional; em 2005, quando o diretor retorna ao personagem para rever suas idéias políticas; e finalmente em 2007, quando Genivaldo revê a si próprio na TV e comenta a suas posturas do passado.

É nessa último momento em que Escorel abre a porteira do filme aos aspectos mais pessoais do cinebiogrado e menos do ser político. Conhecemos a esposa de Genivaldo, Dona Lia, numa solitária e infatigável lida doméstica (e num silêncio perturbador). Cohecemos também a caçula, que rejeitou o casamento em função das exigências machistas do noivo (e a reação de Genivaldo a isso), além de outro quatro filhos e uma filha mais velha.

Escorel, mais celebrado pelo trabalho como montador – função pela qual esteve ao lado de Glauber (“Deus e O Diabo…”; “Terra em Transe”), Joaquim Pedro (“Macunaíma”), Eduardo Coutinho (“O Dragão da Maldade…”), João Moreila Salles (“Santiago”) entre outros em 40 anos de experiência – é certamente um pensador da imagem e de sua força como instrumento narrativo.

E, ao contrário do que alguns podem pensar, nada em “O Tempo e O Lugar” é aleatório ou irresponsável. Como disse Jaime Amorim, do MST, também no debate da Fundaj, há de se tomar cuidado para o longa não virar, nas mãos de latifundiários inescrupulosos, um instrumento difamador do Movimento, mas a responsábilidade está também em que o assimila assim. Com seu filme, Escorel aposta apenas no capacidade de discernimento do espectador para a figura contundente e controversa, como qualquer ser social, que é Genivaldo.

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