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Reportagens

Andrea Tonacci no Recife

Um cineasta outsider e seu carinho pela causa indígena

Por Luiz Joaquim | 22.04.2009 (quarta-feira)

Como parte da programação do Festival dos 3 Continentes, que acontece simultâneamente, no Cine Apolo e Cinema da Fundação, a noite de hoje reserva, nesta última sala, a oportunidade de encontrar uma das mais brilhantes cabeças do cinema brasileiro. O italiano, radicado brasileiro, Andrea Tonacci, 64 anos, que em 1970 fez história com seu primeiro longa-metragem “Bang-Bang”, estará na Fundaj para conversar com o público após a exibição do seu mais recente filme “Serras da Desordem” (2006).

Fiel ao vasto trabalho que realizou focando os índios e suas questões no Brasil nos anos 1970 e 1980 – tendo destacando-se como um dos pioneiros na utilização do vídeo no Brasil – Tonacci apresenta em “Serras…” um retrato carinhoso de Carapirú, a perda de sua família e sua solidão calada, a adoção por uma família de agricultores, até o reencontro com seu filho e sua tribo.

Carapirú é um personagem que chamou atenção nos anos 1980 e do qual Tonacci aproveita diversas imagens de arquivo, criando um misto de documento e ficção pela qual o próprio Carapirú interpreta a si mesmo. Tudo parece ter sido feito com um sentido sensorial para a montagem, dando sempre o espaço necessário que a figura frágil do protagonista merece para que possamos entendê-lo.

Com “Serras…” Tonacci, deixa a impressão que temos um filme totalmente deslocado da atual cinematografia brasileira. E esse é talvez o maior elogio que ele possa receber.

PERFIL
Tonacci saiu da Itália aos 9 anos. Em São Paulo, estudou engenharia e arquitetura, mas já aos 21, dirigia seu primeiro curta-metragem “Olho por Olho”, pelo qual apresenta jovens saindo a esmo por São Paulo e agredindo gratuitamente um desconhecido. Amigo pessoal de Rogério Sganzerla e Júlio Bressane (que estará amanhã também no Cinema da Fundação apresentando “A Erva do Rato”), teve sua imagem historicamente vinculado ao outrora chamado ‘Cinema Marginal’.

Tonacci, três anos depois (1968), fez “Blá, Blá, Blá”. Era um curta mais maduro, cujo protagonismo levado por Paulo Gracindo, mostra um político discursando nos estúdios de uma TV. O arrojamento narrativo e a crítica contida na utilização da mídia como plataforma para o discurso político, e suas consequências, renderam a
Tonacci o prêmio de melhor filme no Festival de Brasília.

Logo depois, em Minas Gerais, Tonacci rodou em apenas 11 dias o clássico “Bang Bang”. Com seus planos longuíssimos, o cineasta já revelou que a intenção era fazê-los funcionar de forma independentes, podendo inclusive ser intercambiáveis sem prejuízo para a compreensão. Com Paulo César Peréio usando uma máscara de macaco em algumas situações, o filme traz um enredo desafiador em constante referência ao próprio cinema, apresentando um protagonista tenso que durante a realização de um filme, se envolve com uma bailarina espanhola e um trio de bandidos, do qual um deles é cego, o outro narcisista e uma terceira, que é a mãe de todos. “Bang Bang” não entrou no circuito comercial brasileiro, mas estreou em Londres e foi convidado a concorrer na Quinzena dos Realizadores, em Cannes 1970.

Já em 1969 começa uma produção de documentários que o guiaria pelos próximos anos. Antes de se dedicar a observar a cultura indígena, focou a japonesa (“Arrastão”, “Nô”, “Traineia e Tenrykio”), trabalhou com músicos (Miles Davis, Milton Nascimento, Jorge Mautner, Sérgio Kera em São Paulo), e documentou artes plásticas (já utilizando o vídeo em 1975) tendo como objeto o trabalho de Roberto Aguilar (“Do Tabu ao Totem” e “Roberto Aguilar em NY”).

Para seu segundo longa-metragem, “Interprete Mais, Ganhe Mais” (1975), enveredou para o campo da dramaturgia teatral. Numa tentativa de criação coletiva e com estilo próximo ao ‘cinema verdade’, o filme registrava a montagem, por Ruth Escobar, da peça “Os Autos Sacramentais”, de Calderón de la Barca. Foi gravado em vídeo P&B, 16mm e 35mm e finalizado em 35mm. Por uma insatisfação por parte de Escobar, o filme só foi finalizado 20 anos depois.

Com “Conversas no Maranhão” (1977), Tonacci estreia no tema que seria caro até hoje. A tensão neste documentário, gira em torno da luta pela terra dos Timbirá orientais, da tribo Canela ou Apaniecra. Foram três meses no Maranhão em convívio com os índios, o que lhe deu intimidade entre eles, ganhando uma confiança que aparece no filme em forma de espontaneidade. O bom êxito leva Tonacci a continuar desenvolvendo a idéia de “Conversa no Maranhão” até 1983, em função de uma bolsa que recebe da Fundação Guggenheim. Com o dinheiro fez com que os próprios índios se expressassem pelo audiovisual. Daí foram diversos vídeos feitos com os índios dos EUA e de países na América Latina.

Depois de uma tentativa frustrada de captar recursos para o longa “Agora Nunca Mais”, ao lado de Carlos Reichenbach, Inácio Araújo e Guilherme de Almeida Prado também nos anos 1980, Tonacci segue em frente associando-se a televisão para tocar outros projetos registrando a luta dos índios no Norte do país. Nesse percurso, fez alguns filmes institucionais transitando pela literatura, pelas artes plásticas e direitos humanos até chegar ao ótimo “Serras da Desordem”.

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