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Críticas

Uma Noite em 67

Epicentro da moderna música brasileira

Por Luiz Joaquim | 30.07.2010 (sexta-feira)

Quando exibiu há dois meses na praça Tiradentes, em Ouro Preto (MG), o documentário “Uma Noite em 67” (Bra., 2010), do jornalista Renato Terra e crítico de cinema Ricardo Calil, passou pelo seu maior teste de qualidade: o frio. Sob uma temperatura de 8ø centígrados, a céu aberto, o filme que revê a noite de 21de outubro de 1967 segurou o espectador mineiro até o fim da sessão com suas hipnóticas imagens de arquivo, entrelaçadas por uma narrativa limpa e enxuta com atualizadas entrevistas de mitos da música popular brasileira.

Derivado de um trabalho de conclusão do curso de comunicação defendido por Terra em 2003, o filme, que estreia hoje no Cinema da Fundação, começou a anhar corpo quando o rapaz se juntou a Calil e ganhou o aval de João Moreira Salles, da Videofilmes, para eles mesmos transformarem a pesquisa em cinema.

Como cerca de 40% do que se vê em “Uma Noite….” são imagens de arquivo da transmissão da final do 3ø Festival Popular da Música Brasileira pela TV Record, nada mais coerente que ter o braço cinematográfico da emissora (a Record Entretenimento) como co-produtora.

Tais imagens, como a de Sérgio Ricardo quebrando seu violão após a monumental vaia por “Beto Bom de Bola”, ou de Gilberto Gil, elétrico, ao lado dos Mutantes defendendo “Domingo no Parque”, ou ainda a de um Caetano Veloso aos 24 anos tranquilo e ganhando o público com seu sorriso por “Alegria, Alegria”, já estão mais que marcadas na nossa memória visual. Então, o que haveria de novo em “Uma Noite em 67” ? O talento da sensibilidade de Terra e Calil aplicada a um roteiro de entrevistas atuais e a montagem precisa de Jordana Berg respondem esta pergunta.

A inteligência dos diretores esteve, entre outras estratégias, em aproveitar as imagens históricas em toda sua dramaticidade – permitindo, por exemplo, todos os 14 minutos do momento “Sérgio Ricardo” projetados inteiros no corpo do filme. Esse tipo de compromisso, ajuda o espectador a não ver apenas o ato icônico do fato (a quebra do violão), mas o desenvolvimento do fato em si, dando uma perspectiva mais sofisticada da situação.

Essa perspectiva fica ainda mais consistente e válida quando contraposta com os depoimentos de hoje, não só dos artistas (Gil, Sérgio Ricardo, Caetano, Chico Buarque, Roberto Carlos, Edu Lobo) mas também de jornalistas (Nelso Motta, Sérgio Cabral) e de produtores, como Solano Ribeiro que revelou o pavor de Gil antes de subir ao palco.

Também surpreende um Caetano humilde dizendo que gostaria que, diferente de Chico, não tivesse sua carreira marcada por “Alegria Alegria”. “Ninguém se lembra de Chico só por ‘A Banda'”, lastima o baiano. Já Chico se surpreende ao descobrir que os produtores da Record na época o tinham como o ‘mocinho’ da “guerra” musical. Cabral também resgata uma curiosa passeata que fez ao lado de Gil contra “a invasão das guitarras no Brasil”, dois meses antes da final da Record.

“Uma Noite…” é, enfim, um documento importante para melhor entender o contexto de um momento histórico de nossa cultura musical. Foi uma noite que serviu de epicentro para os desdobramentos do futuro caminhar de artistas que 43 anos depois ainda influenciam o País. Mais que um ‘documento importante’ é um documento saboroso, não só de ver, mas principalmente de ouvir. Afinal, estrelas musicais não nascem todo dia e em 21 de outubro daquele ano o festival da Record tinha uma constelação inteira sob seu teto.

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