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Críticas

O Homem das Multidões

O homem cercado por

Por Luiz Joaquim | 31.07.2014 (quinta-feira)

O primeiro estranhamento que o espectador terá ao início da sessão de “O Homem das Multidões” (Bra., 2014), de Marcelo Gomes e Cao Guimarães, será com o formato da imagem. Começada a projeção, o que se verá na tela ocupa apenas o 1/3 central de sua superfície total.

Com uma proporção que lembra as da janela de uma trem, o formato bolado pelos realizadores termina por nos colocar ainda mais próximo da perspectiva claustrofóbica do protagonista, o mineiro condutor do metrô, Juvenal (Paulo André). No filme, as marcas de sua vida pacata e sem atribulações também nos chegam por cores frias e pelo enquadramento que busca a geometria perfeita pelas mãos do premiado fotógrafo Ivo Lopes Araújo.

Mas isto é o obvio. É o que está na superfície deste “O Homem das Multidões”. É o que se percebe sem necessariamente se envolver com a solidão e com o cansaço deste homem cercado por “ninguéns”.

Concebido com a mesma despretensão de grandeza que a fotografia do filme oferece, temos também um Juvenal quase invisível, sem amigos. Juvenal não interage com ninguém na multidão que o cerca quando caminha só pelas ruas de Belo Horizonte. Para ter motivos para rir, Juvenal secretamente se deixa contaminar com a gargalhada de uma estranha num bar. E, no seu minúsculo apartamento, o tempo não passa. Seja no relógio parado na parede, seja nas noites insones.

É quando sua colega de trabalho, Margô (Silvia Lourenço, caprichando no sotaque mineiro) entra quase que a força em seu mundo. Ela é tão solitária quanto Juvenal, mas a sua solidão é como a da maioria das pessoas que circulam na multidão, ou seja, inconsciente.

Morando com o pai (Jean-Claude Bernardet) e prestes a casar-se – conheceu o noive pela internet, há alguns meses -, Margô convida o quase desconhecido Juvenal para ser seu padrinho. “As pessoas são tão complicadas! No computador é mais fácil. Você escreve e a pessoa responde”, contextualiza a moça.

É no choque do encontro entre estes dois corpos solitários, perdidos, cansados, que “O Homem das Multidões” cresce. E assim o filme move-se lentamente. Ora com as marcas de Gomes mais fortes (ao sair do túnel escuro, a claridade ilumina gradativamente o rosto do protagonista), ora com a personalidade de Guimarães sobressaindo-se (ver a sequência do sonho de Juvenal).

Há ainda outra inteligência na proposta fotográfica do filme. Na medida em que Juvenal vai interagindo mais e mais com Silvia, os planos vão ficando mais abertos. Saem do close no protagonista, para mostrar um pouco mais da paisagem que o circunda. É como se, para ele, e para o espectador, um mundo (enfim) começasse a ganhar uma forma sob a luz do Sol.

ADAPTAÇÃO – O filme estreou na seção Panorama do Festival de Berlim, em fevereiro. Resultado de quase sete anos de pesquisa e produção, a obra é livremente inspirada no conto “The man of the crowd”, do escritor norte-americano Edgar Allan Poe.

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