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Festivais

50. Brasília (2017) – noite 4

E Brasília respira com alívio e alegria pelo que há de humano em “Café com Canela” em sessão celebrada.

Por Julio Cavani | 19.09.2017 (terça-feira)

*Foto acima de Júnior Aragão

Eis que surge na programação do 50. Festival de Brasília do Cinema Brasileiro um filme que faz uma representação do povo negro brasileiro com toda a dignidade necessária, dois dias após o abalo sísmico provocado pelo debate racial sobre Vazante (leia sobre clicando aqui). Filmado em Cachoeira e São Félix, no coração do Recôncavo Baiano, Café com canela, de Ary Rosa e Glenda Nicácio, retrata os dilemas e prazeres do cotidiano de um grupo de personagens indiretamente interligados e foi o longa-metragem mais aplaudido até agora na mostra competitiva. Já se fala em favoritismo, apesar de apenas quatro dos dez concorrentes terem sido apresentados.

Em um País onde a maioria da população é negra, um filme como Café com canela deveria ser algo normal, mas o que ocorre é justamente o contrário. Diante da falta de representatividade dos negros no audiovisual brasileiro, o longa-metragem baiano ainda é um tipo de experiência única que precisa ser cada vez mais estimulada.

Still de “Café com Canela”, com as atrizes Valdinéia Soriano e Alinne Brunne

A força do filme, vale salientar, não está apenas nessa questão da inclusão etnográfica, por mais que essa importância histórica esteja sempre presente. Trata-se de uma obra original, sincera e divertida, com uma contribuição artística plena que supera as relativizações socioculturais. Café com canela é cheio de invenções tanto na forma quanto no conteúdo.

O filme tem estilo próprio e qualquer contextualização com referências cinematográficas nacionais ou internacionais será reducionista. A diretora Glenda Nicácio e o diretor Ary Rosa preferem criar uma maneira nova de fazer cinema, com liberdade tanto na estrutura de distribuição dos personagens no roteiro quanto em detalhes metalinguísticos, efeitos especiais e recursos narrativos. Vozes em off e câmeras subjetivas, por exemplo, são usadas em momentos pontuais a serviço da poética, sem se transformarem em regra, dispositivo geral ou autoafirmação maneirista. Nem é necessário buscar informações de bastidores para perceber que trata-se de uma produção feita com espírito cooperativo e entrosamento, pois o conteúdo humano visto na tela já transparece essa espontaneidade autoral.

*O jornalista viajou a convite do Festival.

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