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Críticas

Trama Fantasma

Quantos fantasmas carrega um homem maduro e solitário?

Por Luiz Joaquim | 25.02.2018 (domingo)

Quem é você, Paul Thomas Anderson? Que escreve e dirige um filme como Trama fantasma (Phantom Thread, EUA) em 2017. É a respeito de você que estamos vendo quando descortinamos as nuances e segredos da personalidade do solitário estilista inglês Reynolds Woodcock (Daniel Day Lewis)? Claro que sim, ao menos em certa medida, uma vez que um filme é fruto da perspectiva de vida de seu autor. Mas, qual a medida aqui?

Assim como P.T. Anderson (PTA), Reynalds é também um artista maduro, no caso um estilista de renome na Inglaterra dos anos 1950, e, provavelmente como PTA, ele vê em cada uma de suas criações uma peça de arte única. Esta convicção leva, por sua vez, seu personagem a uma dedicação severa sobre o seu trabalho, não admitindo nada abaixo da precisão.

E aquilo que fica por trás desse árduo e introspectivo movimento profissional, ou seja, a vida amorosa e social, desvela-se como um mistério quase inacessível. Ao contrário de PTA (47), que é casado e tem quatro filhos com a atriz Maya Rudolph, Reynalds em seus 50 e tantos anos é um solteiro convicto. E a história que conheceremos em Trama fantasma é contada por Alma (a atriz luxemburguesa Vicky Krieps), uma jovem mulher que irá mudar algumas das convicções do estilista.

O encontro entre os dois se dá casualmente, quando Reynalds pára para um café da manhã num pequeno restaurante próximo a sua casa de campo. Lá, Alma serve seu cliente, enquanto ele encanta-se com aquela criatura naturalmente elegante. Começa um jogo de sedução ditado pelo ritmo muito particular de Reynalds e, por ele, Alma deixa-se levar por completo.

Logo a jovem garçonete torna-se a nova amante do caprichoso estilista e, entre a adequação para um mundo que não é o seu – o do luxo na alta costura – e a conquista do homem que passa a amar incondicionalmente, Alma também irá reeducar os sentimentos de Reynalds.

Mas o foco aqui é este homem. Um autêntico artista (logo sensível e intempestivo) solitário e consumido pelo trabalho, que intimamente crê ter sido, de alguma forma, amaldiçoado a nunca ter acesso ao verdadeiro amor de uma mulher. A figura da falecida mãe de Reynalds – para quem ele, com 16 anos de idade, costurou o vestido do seu segundo casamento – é central aqui.

E como em qualquer boa criação artística, PTA estabelece que ela (a figura materna de Reynalds) atua de maneira subjacente, mas firme no que se configura naquilo que iremos perceber pela relação de seu protagonista com as mulheres de sua vida.

Neste sentido, o delírio febril sofrido por Reynalds enquanto está acamado – a certa altura de Trama fantasma ­­–, somada a sua iniciativa após a cura, é revelador (e libertador).

Para além da delicadeza em como é desenvolvido esse enredo (inclua-se aí diálogos que estabelecem rápida e precisamente o perfil dos personagens), PTA e o trio de atores formados por Day-Lewis, Krieps e Lesley Manville (como a irmã de Reynalds) conduzem o filme a um espaço-tempo em comunhão àquilo que seria a concepção de mundo de Reynalds. O mundo da elegância.

Lesley Manville (de preto) em “Trama Fantasma”

Desde a trilha sonora suave e clássica desenhada por Jonny Greenwood (constante parceiro de PTA), passando pela fotografia discreta feita pelo próprio PTA (mas não creditada, porque é deselegante esbanjar o acumulo de funções), ou ainda, evidentemente, pelo esplendor do figurino de Mark Bridges, Trama fantasma é um retrato sedutor sobre um universo pelo qual o belo é aquilo que deve estar acima de tudo.

A presença cheia de vida de Alma é que desequilibra esse ambiente. E Reynalds, escravo de sua intocável rotina (própria de homens maduros e solitários), termina por descobrir esse outro tipo de beleza. A do desequilíbrio da felicidade. Pura e simples.

Não a toa, os únicos momentos em que o introspectivo Reynalds sorri alegre e livremente são aqueles em que ele e sua Alma estão em movimento no pequeno carro do estilista. Paul Thomas Anderson, por sua vez, marca esteticamente este “desequilíbrio” da felicidade com uma câmera atrelada ao veículo. São também os únicos momentos em que o quadro cinematográfico em Trama fantasma não possui estabilidade, não tem equilíbrio.

Quem é você, Paul Thomas Anderson?

 

Em tempo: Daniel Day-Lewis anunciou que Trama fantasma seria seu canto do cisne no cinema. Aposenta-se para dedicar-se à família. Seus parentes certamente agradecem. Nós lamentamos.

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