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Cinema pernambucano nos anos 2000

Uma tentativa de situar o cinema pernambucano na história do cinema brasileiro

Por Luiz Joaquim | 07.03.2018 (quarta-feira)

–Publicado originalmente em 5 de Outubro de 2006

É provável que a insinuação que faremos aqui seja um pouco audaciosa, ou até mesmo equivocada. Equivocada talvez porque qualquer acadêmico que se preze diria que não é possível avaliar um momento social ou cultural (ou sociocultural) estando ainda nele. Em outras palavras, seria preciso um distanciamento histórico para enxergar com clareza as propriedades que dão dinâmica a esse momento em questão.

Tudo isso para falar do atual cinema pernambucano. Para “atual” quero traduzir a última década, quando, já em 1996 víamos ser lançado comercialmente no Brasil o longa-metragem “Baile Perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas.

Quatro anos depois, vimos nascer o documentário “O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas”, dirigido por Caldas com Marcelo Luna para, na seqüência, em 2003, acompanharmos o lançamento de “Amarelo Manga”, de Cláudio Assis. E 2005/2006 foi o ano de “Cinemas, Aspirinas e Urubus”, de Marcelo Gomes. Primeiro com o reconhecimento no festival de Cannes, onde chamou a atenção do mundo em mostra não-competitiva, para depois cair nas graças da crítica brasileira a partir da Mostra de SP 2005 e, depois, ao ser lançado no circuito; hoje atingindo o congraçamento ao ser indicado oficialmente pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil no prêmio 2007 da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, ou seja, na famigerada briga pelo Oscar.

Ainda em 2005, tivemos “Orange de Itamaracá”, de Franklin Jr., exibido no festival recifense Cine-PE, mas aguardando lançamento nos cinemas, e, para breve, acompanharemos a projeção dos novos de Caldas, “Deserto Feliz” – provavelmente no Festival de Brasília em novembro – e o segundo de Assis, “Baixio das Bestas”, este em processo de finalização.

IMPRESSÕES

Poderíamos comentar também a respeito da produção de curtas-metragens no Estado, que teve aqui (como em qualquer lugar) indiscutível importância para a formação e amadurecimento dos profissionais que vieram a realizar seus longas na região. Mas seria desnecessário entrar nesse campo, considerando que o intuito aqui é suscitar uma analogia temática entre os longas de ficção pernambucanos atuais com um segmento da produção de longas cariocas de ficção nos anos 1970 – excetuando aí os da linha marginal e os da pornochancada.

“Baixio das Bestas” de Cláudio Assis

Esqueçamos a composição estética e narrativa dos longas aqui salientados e consideremos “Amarelo Manga”, “Deserto Feliz” e “Baixio das Bestas” como ícones temáticos. O primeiro se concentra no ponto nevrálgico urbano recifense, com figuras típicas em busca da felicidade e da sobrevivência, interligando-se numa sofisticada teia social regada a sexo e solidão. O segundo, passeia pelo Sertão, às margens do Rio São Francisco, para mostrar à miséria de um tratorista de vinícula e sua família em contraposição à vida assoberbada de ricos com apartamentos na orla. Por fim, “Baixio das Bestas” também se desdobra em blocos interligados, como em “Amarelo Manga”, a partir dos quais apresenta um universo interiorano de Pernambucano onde transitam filhos de usineiros, prostitutas e até pais incestuosos.

Nas três ficções é o homem comum que está em primeiro plano. E é por uma  expressão naturalista que os diretores exploram os sentimentos desse homens. Colocando filmes como estes ao lado de “Toda Nudez Será Castigada” (1973) e “Tudo Bem” (1977), ambos de Arnaldo Jabor, ou “Rainha Diaba” (1974), de Antônio Carlos Fontoura, ou “A Culpa” (1971) e “Vida Vida: Os Caseiros”  (1978), ambos de Domingos Oliveira, ou tantos outros a serem incluídos aqui, percebe-se um laço de opções dramáticas tendo o homem do povo e seus questionamentos como objeto de observação no cinema.

Hoje, o cinema carioca (lembrando que estamos falando de longas-metragens), sobrevive, com raríssimas exceções da comédia corriqueira, produzindo obras como sitcoms subnutridos de tensão, ou melodramas egressos da TV, sem escalas, via Globo Filmes, com argumentos em nenhum instante perturbador ou reflexivos. Exemplo: “Olga”; “Trair e Coçar É Só Começar”; “Sexo, Amor e Traição”; e muitos outros.

Estaria o espaço vago deixado pelo cinema carioca nos anos 1970 sendo tomado pelo atual cinema pernambucano, ou o cinema pernambucano estaria criando uma história própria e original no cinema brasileiro? São perguntas, como dissemos no inicio, que ainda merecem mais tempo para serem respondidas. De qualquer forma fica aqui um estímulo crítico para ser desenvolvido.

E permitam-me abrir um parágrafo para encerrar tentando situar “Cinema, Aspirinas e Ururbus” nesse contexto.  A riqueza estético-narrativa de “Aspirinas…” estaria fora das  relações desenvolvidas acima. Talvez, seu vínculo mais próximo estaria junto à secura plástica do Cinema Novo – sendo talvez “Vidas Secas” (1963), de Nelson Pereira dos Santos, seu irmão mais próximo. Mas, mesmo com essa proximidade visual, e ainda que o interesse de “Aspirinas…” esteja no homem como indivíduo, não temos aqui um empenho ou discurso político – nem disfarçado, nem explícito – como era comum aos cinemanovistas.

“Aspirinas…” seria um elemento isolado. O que, desde já, o torna especial na história do cinema brasileiro.

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