X

0 Comentários

Festivais

51. Brasília (2018) – noite 9 “Bixa Travesty”

A noite dos corpos.

Por Luiz Joaquim | 23.09.2018 (domingo)

Na foto acima, de Humberto Araújo, as produtoras Thais Vidal e Dora Amorim, com o diretor Fábio Leo (ao centro).

BRASILIA (DF) – A última noite (ontem, 22) da mostra competitiva no 51o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro dedicou seu espaço para três filmes cujo sentido primeiro está no corpo de seus protagonistas e em como eles podem (devem) ocupar politicamente seu espaço na sociedade. Uma segunda camada de sentido está no sexo, e em como ele, livremente pode (precisa) ser vivido conforme buscam, mostram ou ordenam, nesta ordem, as obras projetadas no Cine Brasília.

A noite abriu com Reforma, o segundo curta-metragem do pernambucano Fábio Leal (do premiado O porteiro do dia). Protagonizando a história, vemos Fábio como Francisco, cujo excesso de peso vem lhe incomodando para além do desejado.

Reforma alterna-se entre momentos íntimos de carinho e sexo – mostrando em modo cuidadoso Francisco e seus parceiros -, com o protagonista posteriormente lamentando-se com sua melhor amiga (Mariah Teixeira) do desconforto não com seu corpo gordo mas em como a sociedade pode lhe maltratar a partir dele – “Fico sem querer sair com medo da matação”.

Num paralelo – não tão bem amarrado, é verdade – entre a reforma em trânsito no apartamento da amiga e a reforma que poderia fazer no corpo de Francisco para atender uma demanda não dele, mas do mundo, Reforma, o filme, funciona bastante bem – principalmente na maneira humorada com a qual Leal conduz e resolve o dilema do seu Francisco, que gosta mais de comer do que do sexo.

Talvez um pouco menos que em O porteiro do dia, é também sutil, porém quase palpável, o humor empregado por Leal em Reforma. Um humor discreto e corajoso, de quem se leva a sério e, ao mesmo tempo, não. É um equilíbrio não fácil de equalizar e habitualmente conquistado quando se sabe precisamente onde se quer chegar – vide os planos da fotografia e os cortes da montagem. Em termos simples, com seu filme, Leal que chegar (e fazer os outros chegarem) na autoaceitação.

Dois quesitos sobre o cinema em processo de Leal: 1) sua inteligência narrativa no uso da música incidental, incutindo personalidade e uma espécie de libertação aos seus protagonistas (em O porteiro… tínhamos Marina, aqui temos Caetano Veloso, com Cor amarela); e 2) a compreensão do timing e da força da imagem na captação de corpos em cenas de sexo.

Enquanto Reforma nos chegava redondo, o carioca BR3 – curta de Bruno Ribeiro, exibido na sequência – nos chegava atrapalhado, truncado em sua composição. Dividido em dois blocos, Bruno começa estabelecendo o reconhecimento de uma trans a partir de sua inesperada performance coreográfica num espaço improvável, para depois partir para a uma relação sexual de outro casal trans. O resultado é esquecível, passageiro.

Jup do Bairro, ao microfone, com Linn da Quebrada ao seu lado, e os diretores Cláudia Priscilla e Kiko Goifman. Foto de Humberto Araújo.

A mais esperada atração da noite – o longa-metragem Bixa travesty, de Kiko Goifman e Cláudia Priscilla (exibido no Festival de Berlim) –, dava voz a performática artista carioca Linn da Quebrada. Dona de uma forte presença cênica e eloquência cativante, no que diz respeito ao discurso que a define, Linn coloca pelas suas músicas, performances e falas dentro do filme de Koifman e Priscilla uma palavra de ordem: a de que a sua hora e das iguais é agora, que veio para ocupar o seu espaço e que o machismo deve temê-la, “eu não queria estar em seu lugar”, provoca Linn, para a câmera, falando diretamente aos homens.

Incômodo como deve ser, Bixa travesty parece um tanto apaixonado por sua protagonista expansiva (o que não é problema). Problema parece ser o filme deixar escapar outros aspectos íntimos – de uma complexidade estratosfericamente muito mais difícil de tratar do que o sexo -, que é aqui disparado não por Linn, mas pela sua companheira profissional, a trans Jup do Bairro.

É de Jup o momento mais profundo e delicado no filme (ao contrário do performático fatalismo de Linn), quando ela, ao lado de Linn na sauna, questiona-se sobre o lugar onde ela própria se coloca, da bicha gorda e engraçada. Até quando vai querer vestir esse personagem e ser reconhecida apenas pela graça, pergunta-se Jup.

É também Jup quem provoca a amiga Linn, sempre em dúvida se “coloca ou não peito” e parte para o uso do hormônio, perguntando-lhe: “mas casar você quer, né?”, para, daí, Linn desmanchar-se em seu “segredo”.

Estripulia sexuais, genitálias em primeiro plano e provocações políticas pelo corpo a parte, os temas disparados por Jup parecem conter os momentos mais valiosos do documentário, pois é ali que a dupla se revela no que há de universalmente humano, em seu básico, desejando proteção, amor e temendo a solidão.

Bixa travesty terá sua primeira exibição no Recife em novembro, abrindo o Festival de Cinema de Diversidade Sexual e de Gênero (Recifest), com possível presença de Linn da Quebrada.

EM TEMPO – hoje (23), às 18h30 inicia a cerimônia de premiação do festival, que será transmitida ao vivo pelo facebook. Confira aqui.

*Viagem a convite do festival.

Mais Recentes

Publicidade