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Críticas

Personagem é o Édipo nacional

Trajetória de Durval para a libertação diverte.

Por Luiz Joaquim | 06.11.2018 (terça-feira)

– publicado originalmente no Jornal do Commercio em 28 de Março de 2003.

Na abertura de Durval Discos, a diretora  que começou com videoclipes e programas de televisão mostra que está afinada com as novas tendências do cinema mundial. Há críticos que dizem que, mais do que no digital, o futuro do cinema está no fluxo de imagem que a nova tecnologia possibilita criar, por meio do plano-seqüência. Alexandr Sokúrov radicalizou e fez Arca Russa, que tem defensores entusiasmados mas não segura esse auê todo. É mais uma curiosidade. Alguém tinha de fazer. Sokúrov fez e daí?

Anna também começa o filme dela com um plano-sequência, durante o qual surgem os créditos de apresentação de Durval Discos. Em entrevista ela conta como fez a cena e confessa que o bom resultado deveu-se, em parte, a um golpe de sorte (leia a entrevista ). É modéstia de Anna. A cena é ótima e é melhor ainda porque, na sua conclusão, ela expõe o conflito básico que sustenta a narrativa. O movimento de câmera termina em frente da loja de discos de Durval (Ary França). Ele é enquadrado por trás de uma janela com grades, como se fosse uma prisão. É uma prisão. Na janela de cima está a mãe (Etty Fraser), que oprime o pobre Durval.

Há algo de profundamente simbólico nessa disposição plástica do cenário inicial de Durval Discos. O herói é um Édipo arrasado, oprimido pela mãe e, no final, você pode dizer que ele se liberta, por meio de uma ruptura que alguém já comparou a um parto, o que parece altamente inteligente, mas no fundo é uma obviedade, porque é a coisa que mais salta aos olhos no filme. Há, portanto, um começo criativo, interessante, e um desfecho que se revela menos atraente, porque a liberdade recém-adquirida por Durval não é realmente uma libertação. Ele parece assustado, sem rumo. Vai do nada para o lugar-nenhum.

Entre esses extremos, por mais que o final possa ser discutível, é que está o problema. Há uma situação divertida nesse miolo, quando o caos que se instala dentro da casa é tão grande que a diretora se permite pôr um cavalo na sala, aumentando a discussão. Você ri daquilo, porque é mesmo engraçado, mas é um riso um tanto incômodo, porque a situação, em si, é tragicômica. E é justamente aí que a própria dinâmica do filme passa a desfuncionar, ou a não funcionar direito, que seja. Qual é o tema de Durval Discos? A história é a de um sujeito feio e patético oprimido pela mãe. O tema, mesmo, é outro. Ao se recusar a vender CDs, ignorando a revolução tecnológica ocorrida na indústria fonográfica, Durval faz uma opção: ligando-se ao vinil, permanece atado ao passado. É alguém que se fecha para a realidade, que a recusa. É o que, aliás, diz o usuário que entra na loja, logo após os créditos. Como, não vende CDs? Parece tão fora de propósito que o consumidor até duvida. A mãe funciona na mesma linha quando pede ao filho que desligue a televisão, porque mostra desgraças. Só que não adianta querer fugir, é a tese de Anna. A vida vem, a realidade termina por entrar na casa e com conseqüências trágicas, que possibilitam a ruptura violenta.

Durval Discos completa, afinal, uma discussão sobre realidade e ilusão. O filme ganhou um monte de Kikitos no Festival de Gramado. Não é bom, mas coloca problemas intrigantes e que dizem respeito ao próprio País, que pode não ser como Durval, mas também vive um conflito entre a modernidade e o atraso. Anna é boa na hora de armar o problema. É um pouco menos na hora de esticar o relato e propor a solução.

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