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Críticas

Durval Discos

A resistência em forma de vinil.

Por Luiz Joaquim | 30.10.2018 (terça-feira)

– publicado originalmente em 28 de março de 2003.

Premiada no curta-metragem (A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti sua mais recente produção na época), a diretora e roteirista Anna Muylaert decidiu estrear no longa com um filme de baixo orçamento cuja história se concentrasse em um único espaço. Seis meses de busca se passaram até que ouviu falar da Edgard Discos, loja localizada em Pinheiros, cujo dono resistia ao CD e só vendia vinil. Essa situação real foi o ponto de partida para a ficção, conta Anna, que criou e dirigiu Durval Discos. Durval (nome que a diretora emprestou do avô) é um sujeito quarentão que parou no tempo: além de exibir um visual típico dos anos 70, ainda vive com a mãe em uma casa que também abriga a loja que leva seu nome e onde só vende bolachões. A rotina só é quebrada com a entrada dos clientes, alguns desavisados, outros fiéis compradores. O tom ameno do filme muda quando Durval percebe as dificuldades que a mãe enfrenta para cuidar da casa.

Decide contratar uma empregada. Durante a seleção, logo surge uma que, além de aceitar um irrisório salário (R$ 100 mensais), promete ser uma cozinheira de mão cheia. Como tal empregada ideal não existe, logo Durval e a mãe descobrem que a mulher é uma sequestradora e, ao desaparecer, deixa para trás justamente o fruto de seu rapto, uma menina de família rica. Nesse momento, o filme, tal qual um disco antigo, entra em seu lado B, conta a diretora, orgulhosa da reviravolta na história – apesar das tentativas de Durval em avisar a polícia, a menina continua em sua casa graças à mãe que, com uma insanidade cada vez mais visível, apegou-se à garota. O filme trata da luta do filho para sair do apego da mãe, comenta Anna. E, como observou o crítico Ismail Xavier, quando isso acontece, é como se fosse um parto.

Nas diversas exibições do filme, Anna surpreendeu-se com a reação da platéia. Os quarentões, segundo ela, preferem o lado A, mais nostálgico, e torcem o nariz para a conclusão. Já os mais jovens, principalmente universitários, adoram os momentos em que a insanidade é maior, o que gera muitas discussões entre eles. Para que o filme não sofresse uma grande ruptura em sua reviravolta, Anna contou com um elenco principal que, apesar de diversificado na origem, conseguiu manter a coesão necessária – estreando no cinema, Ary França, o Durval, está acostumado a ter liberdade de texto; Etty Fraser, a mãe Carmita, formou-se no teatro mais tradicional; e Isabela Guasco, a menina Kiki, escolhida entre cem candidatas, só tinha uma pequena experiência em comerciais. Cada um pedia uma direção, um jeito de trabalhar diferente, afirma a diretora, que decidiu realizar muitos ensaios até que cada um descobrisse o tom certo de seu personagem. Ensaiamos todas as cenas durante um mês e meio, conta Anna, que levou o mesmo tempo nas filmagens.

A trama é completada pela participação de nomes conhecidos, como Marisa Orth (que faz Elizabeth, amiga de Durval, vendedora da loja de doces ao lado), Letícia Sabatella (Célia, a sequestradora) e Rita Lee (Tia Julieta, uma das compradoras de vinil). Como morou no bairro de Pinheiros, Anna Muylaert decidiu reproduzir o clima da região. Para isso, realizou uma longa sequência de abertura, em que a câmera percorre ruas conhecidas ao mesmo tempo em que os créditos são apresentados de forma original. Anna conta que fez vários testes com câmeras de vídeo até conseguir a marcação ideal. E diz que ainda contou com a sorte no dia de filmagem: Como estava nublado, não tivemos problemas com diferenças na intensidade da luz, afirma. Só em um momento a iluminação foi mais forte, mas não prejudicou o resultado final.

A trilha sonora também é reveladora. No lado A do filme, domina o som típico do bairro e as únicas músicas surgem quando Durval decide ouvir algum de seus discos. É quando se ouve um repertório típico dos anos 70, escolhido por Anna e o produtor musical Pena Schmidt a partir das lembranças da diretora: Novos Baianos, Jorge Ben, Rodrix, Sá e Guarabira, Luís Melodia e outros. São músicas que me lembram a adolescência. Quando a história é dominada pela insanidade de Carmita, surge a trilha especialmente composta por André Abujamra, que pretende ressaltar a tensão. A relação com o músico, que faz uma divertida ponta no filme, teve altos e baixos, como revela a diretora no depoimento ao site oficial do longa (www.durvaldiscos.com.br). As coisas foram um pouco complicadas no começo, pois ele agiu livremente e eu odiei. Não via sentido para a liberdade dele.

Tivemos de sentar e conversar sobre o sentido de cada sequência e, uma vez que ele colocou a música à serviço da narrativa do filme, nenhuma nota mais foi alterada. O longa foi rodado em um conjunto de casas que seriam demolidas. Depois de maquiadas pela produção, elas se transformaram na loja de doces onde trabalha Elizabeth e na residência de Durval – a casa ao lado funcionou como escritório de Anna. Terminada a filmagem, os imóveis foram demolidos e as cenas da queda das paredes foram incorporadas ao longa. Trata-se de um amargo recado: não se sabe o futuro de Durval, mas ele finalmente se desvencilhou do passado.

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