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Festivais

47. Gramado (2019) – “Pacarrete”

É particularmente prazeroso reencontrar a luz de Marcélia Cartaxo brilhando tanto numa sala de cinema.

Por Luiz Joaquim | 21.08.2019 (quarta-feira)

– Na foto acima, de Luiz Joaquim, as atrizes Soia Lira, Zezita Matos, Marcélia Cartaxo e o diretor Allan Deberton em coletiva em Gramado

GRAMADO (RS) – Pacarrete (Marcélica Cartaxo) maquia-se com muito cuidado em frente ao espelho preparando-se para sua apresentação coerográfica em Pacarrete, longa-metragem de estreia do cearense Allan Deberton; Isabel (Daniela Valenciano), lava seu longo cabelo e depois o penteia, assim como o faz com o das duas filhas pequenas em El despertar de las hormigas, filme da costariquenha Antonella Furnis, também estreando num longa.

Estes são apenas dois aspectos muito sutis que marcam fortemente a energia contida no discurso destes dois filmes tão entremeados de feminilidade e de feminismo, exibidos aqui no 47. Festival de Cinema de Gramado, na noite de ontem (20).

Antes de detalhar um pouco mais sobre os dois trabalhos, que conquistaram Gramado de uma forma absoluta, é importante registrar que a noite desta terça-feira (20) viu acontecer um momento histórico.

Ao final da primeira projeção pública de Pacarrete, encerrando por volta das 23h30, toda a plateia do Palácio dos Festivais gritava e aplaudia de pé, por mais de cinco minutos, o que acabara de ver.

Na verdade, quando ainda nos créditos de abertura a plateia aplaude, em cena aberta, o que está vendo, é um sinal de que o que virá será bem-vindo. E foi exatamente o que aconteceu.

Nos créditos, Marcélia apresenta sua protagonista Pacarrete dançando e varrendo ao mesmo tempo a calçada de sua casa no pequeno município de Russas (CE). Com sua vassoura, faz movimentos que remetem ao de um Fred Astaire mas como se estivesse dentro de O fabuloso destino de Amelie Poulain, só que ao som de uma música latina.

Cena de abertura de “Pacarrete”, foto de Luiz Alves

Aos poucos Pacarrete – personagem inspirado numa figura real, que viveu quase 100 anos, até o início dessa década em Russas, terra de Deberton -, vai tomando conta do filme com sua personalidade forte, sua voz alta e aguda, suas roupas e maquiagens extravagantes e sua autoestima em dia com o fato de ser uma ex-professora de balé em Fortaleza e ser conhecedora da cultura francesa, mas que precisou voltar a Russas para cuidar da irmã doente (Zezita Matos).

Tratada como louca pela comunidade por conta de sua brabeza, franqueza e excentricidades em torno da França e do balé, Pacarrete só tem como alento na cidade o dono do bar, próximo, vivido por João Miguel. Ele encoraja, carinhosamente, os devaneios da senhora extravagante.

Aquilo que poderia soar facilmente caricato em sua Pacarrete, ganhou um controle preciso de ritmo, condução e cadência na performance de Cartaxo, nos fazendo lembrar da atriz gigante que ele sempre foi desde sua Macabéa, nascida há 34 anos, por A hora da estrela, de Suzana Amaral.

Cartaxo é também muito acarinhada aqui pela câmera de Beto Martins (de A história da eternidade), câmera que gosta da atriz sendo isso um mérito conquistado pela atriz aqui.

foto: Luiz Joaquim

E é particularmente prazeroso reencontrar a luz de Cartaxo brilhando tanto numa sala de cinema, através de uma protagonista num longa-metragem (talvez seu segundo protagonismo num longa? numa extensa carreira) pulsante em sua feminilidade, com tudo o que isso representa em força, delicadeza e perseverança igualmente distribuídas.

Na entrevista coletiva de hoje (21) pela manhã – igualmente aplaudida de pé pela plateia ao final – alguém trouxe à tona: “É incrível conhecer no Brasil dos dias de hoje a personagem de Pacarrete que luta para ser reconhecida por um sociedade que não compreende o valor de sua arte”.

Para pegar carona no filme do momento – Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelle -, Pacarrete é como os moradores da fictícia cidade pernambucana, que luta pela sobrevivência pegando em armas. Mas a diferença entre os “bacuraenses” e a “louca” de Russas é que ela insiste em lutar com a beleza que a arte pode promover, transformando as pessoas. E essa nobreza não é para muitos.

*Viagem a convite do festival

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