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Festivais

70º Berlim (2020): Never Rarely Sometimes Always

Não é comum não-inéditos por aqui, mas não havia como evitar algo urgente e necessário como este filme

Por Ivonete Pinto | 25.02.2020 (terça-feira)

BERLIM (ALE.) – A diretora Eliza Hittman estreou em Sundance com este drama. Berlim, que não costuma programar filmes não inéditos para a competicão oficial, o trouxe porque é mesmo uma produção que merece ser exibida na 70° edição do festival alemão.

O título curioso vem das alternativas de um questionário que uma mulher precisa responder quando se submete a um aborto legal nos EUA. O questionário, feito por uma assistente social de rara sensibilidade – como declarou a diretora e roteirista em coletiva de Berlim, a personagem é de fato uma assistente social e a cena  simula uma situação real, usando inclusive de forma autentica os encaminhamentos, os formulários, as perguntas que são feitas. É  o momento chave do filme. É quando toda proposta estética de Hittman, calcada no realismo, encontra seu veio principal.

Acompanhamos desde as primeiras cenas o conflito da estudante e caixa de supermercado Autumn (Sidney Flanigan), de 17 Anos,  que engravida de um adolescente típico asshole. Esta  é uma conclusão a que o espectador pode chegar  por conta de uma sequencia num bar, não está explicita no filme. O que fica claro  é que  não há sentido dela manter a gravidez. Como e onde ela vai fazer o aborto é a questão.

Na coletiva, Hittman falou da pesquisa extensa que fez em cidades pequenas, como as da Pensilvânia, e em Nova Iorque, para onde a protagonista vai com a amiga e prima Skylar (Talia Ryder).

Trata-se de uma história urgente. O filme ter lançamento agora tem um significado maior pela situação jurídica que acontece nos Estados Unidos, com a Suprema Corte a todo momento julgando casos, pois alguns estados restringem o direito ao aborto e esta  é uma pauta importantíssima das próximas eleições presidenciais. Importante no Brasil especialmente no Brasil de hoje também.

O tema e o estudo de personagem para o filme  começou ainda em 2013 e desde esta época mais lugares nos Estados Unidos estão banindo o aborto.

Eliza Hittman, mesmo assumindo uma posição muito clara em favor ao direito ao aborto, em nenhum momento faz parecer que  é uma decisão fácil. Porem, é tao evidente a situação de vulnerabilidade da personagem Autumn, que é a atitude mais equilibrada a tomar. E afinal,  quem tem que tomar tal decisão sempre é a mulher.

Sidney Flanigan como Autumn

Está na própria linguagem do filme o apoio para a personagem, está na câmera 100% do tempo grudada em Autumn, dando suporte como se pegasse na mão dela.

Os personagens masculinos são francamente hostis.  Mesmo um garoto que supostamente está ajudando, está na verdade forçando a barra para tirar algum proveito. Mesmo um pequeno toque ecoa como violência em situações de fragilidade.

Inclusive na família, o pai tem um papel ambíguo. O filme deixa em aberto o que teria acontecido entre pai e filha e esta opção é ilustrativa de quanto por mais que o roteiro soe como manipulador (homens são maus, mulheres são vitimas), ele deixa espaço para o espectador preencher lacunas, colocar sua experiência pessoal, seu repertório de informações sobre a quantidade de vezes que uma mulher sofre violência sexual doméstica e social em sua vida.

Há muito tabu, há muita coisa não dita nestes cenários e a violência, sobretudo quando acontece com crianças e adolescentes, tem a ver com a incapacidade de falar. Falar significa expor, se defender, evitar que a violência se repita. Mas para falar é preciso que haja apoio. O filme, neste sentido, deveria ser exibido em tevê aberta, em escolas, pois carrega uma carga de universalidade através das sutilezas, dos não ditos. Contribui muito para isto a fotografia de Helène Louvart, mesma profissional que assina a direção de fotografia do brasileiro  Todos os mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra, que também concorre ao Urso de Ouro de Berlim.

É incrível termos que admitir que um tema como estes é ainda uma questão de direito, que sofre interferências de governos e de religiões.  Damos dois passos para frente e três para trásA boa noticia  é que Never rarely sometimes always  tem lançamento marcado para junho no Brasil. Tomara que tenha uma divulgação a altura para não ficar dentro da bolha.

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