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Festivais

44º Annecy (2020) – premiados & outros

Entenda porque Theodore Ushev levou o “Cristal”, o principal prêmio do festival, por A Física da Tristeza

Por Julio Cavani | 23.06.2020 (terça-feira)

A Física da Tristeza (imagem acima) é um bom exemplo de como o formato do curta-metragem tem uma importância diferenciada no cinema de animação em comparação com outras formas de cinema. Vencedor do troféu Cristal, o principal prêmio do Festival de Annecy (confira aqui os premiados), o diretor Theodore Ushev produziu todas as 15 mil imagens do filme sozinho com uma antiga técnica egípcia de pintura que nunca havia sido usada por animadores. No processo de confecção dos quadros, conseguia concluir até seis segundos de cenas por dia. Caso ele tivesse mantido esse ritmo diariamente sem intervalos, isso daria um total de nove meses de trabalho, já que o curta tem 27 minutos de duração. A produção do projeto como um todo, da concepção do roteiro à primeira exibição cinematográfica finalizada, durou oito anos. Produzir um longa-metragem com essa intensidade de entrega é quase inimaginável.

Ushev já dirigiu 23 curtas e só agora está dedicado ao primeiro longa-metragem, que não será de animação. Muitos dos animadores mais consagrados nunca dirigiram um longa e são reconhecidos pelos curtas. Em Annecy, diferente do que ocorre nos demais festivais de cinema, os troféus dos curtas-metragens são entregues no final da cerimônia de premiação. São anunciados, portanto, como prêmios principais.

Visualmente, A Física da Tristeza lembra as vanguardas expressionistas da pintura. Esteticamente, não é tão inovador, mas impressiona pela técnica e consegue ser profundo ao retratar os pensamentos de um homem da infância à vida adulta, da paixão platônica por uma artista de circo nos anos 1960 ao apocalipse em tempos de redes sociais. É uma adaptação do livro homônimo do escritor búlgaro Georgi Gospodinov, mesclada a elementos autobiográficos bastante pessoais e alegorias políticas sobre o cenário de frustrações e otimismos da conturbada tentativa de democratização dos países do Leste Europeu nas últimas cinco décadas.

“A Física da Tristeza”

Mais de 200 curtas e longas-metragens do Festival de Annecy estão disponíveis até a próxima terça-feira (dia 30) em uma plataforma online. É necessário pagar 15 euros para assistir a tudo (não é possível comprar ingressos individuais para filmes separadamente). A cerimônia de premiação ocorreu no sábado (dia 20) e foi transmitida pelo YouTube, onde alguns vídeos da programação estão disponíveis gratuitamente. Além do troféu Cristal, A Física da Tristeza também venceu o prêmio da (Fipresci) Federação Internacional de Críticos de Cinema, anunciado na sexta (dia 19). Clique aqui e veja o making of de A Física da Tristeza

Outros bons curtas-metragens de Annecy

Homeless Home (Prêmio do Júri)

É uma história de desencontros amorosos ambientada em um mundo sombrio habitado por demônios, bruxas e fantasmas viciados em bebidas e drogas. Combinar elementos de horror e humor é especialidade do sarcástico diretor e cartunista catalão Alberto Vázquez, que já foi premiado com vários curtas e com o incrível longa-metragem Psiconautas.

The Town (Prêmio para diretor estreante)

Em uma sociedade fictícia com elementos do passado e do futuro, as pessoas mais aceitas na sociedade são aquelas que fazem uma cirurgia plástica para ficarem com rostos perfeitos (e iguais). Em seu primeiro curta, o animador chinês Yifan Bao alerta contra os movimentos de padronização social.

Serial Paralells (Prêmio da Competição Off-Limits)

Sem uma história ou narração, com uma acelerada edição abstrata marcada por sons urbanos, o artista alemão Max Hattler constrói um filme todo formado por fotografias de edifícios que se sobrepõem geometricamente em um ritmo hipnótico, como uma espécie de cartema animado. Os prédios retratados são de Hong Kong, mas o curta é universal ao problematizar a claustrofóbica vida nas grandes cidades verticalizadas onde não é possível enxergar a linha do horizonte.

Rebooted

Com um estilo assumidamente hollywoodiano, o animador australiano Michael Shanks homenageia o americano Ray Harryhausen, mestre dos efeitos especiais que criou monstros de stop motion para clássicos do cinema como Fúria de Titãs (1981) e Jasão e o Velo de Ouro (1961). Rebooted mostra o drama de um esqueleto que atuava em filmes antigos de Hollywood e não consegue mais encontrar trabalho com a chegada das criaturas digitais. O curta já foi visto por mais de 1,5 milhões de espectadores no YouTube (clique aqui para assistir), que assina a produção.

Altötting

Com três décadas de carreira, o cultuado animador alemão Andreas Hykade faz uma ácida provocação religiosa autobiográfica ao narrar o amor de um menino católico pela Virgem Maria. O filme tem momentos cheios de uma fatalista ironia ao som da Ave Maria de Schubert.

Machini

Os animadores congoleses Frank Mukunday e Trésor Tshibangu estão entre os poucos africanos presentes na mostra competitiva de Annecy, apesar de o festival este ano homenagear a África. O filme deles denuncia a exploração do trabalhador e o genocídio provocado por empresas de mineração com uma técnica que combina recursos de stop motion (principalmente com pedras) e cut-out (com recortes de papel).

Just a Guy

A diretora japonesa Shoko Hara (moradora da Alemanha desde os 10 anos de idade) criou um documentário de animação a partir do depoimento de três ex-namoradas de Richard Ramirez, serial killer e estuprador norte-americano. Elas começaram os relacionamentos quando o criminoso já estava na prisão e recebia cartas de dezenas de admiradoras apaixonadas. O curta investiga o que provocaria essa mórbida atração amorosa por um homem que se tornou um macabro símbolo sexual.

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