48º Gramado (2020): Me Chama que Eu Vou + Curtas
Sobre documentários celebrativos, sobre questões de gênero sublinhadas e não sublinhadas
Por Luiz Joaquim | 24.09.2020 (quinta-feira)
– Acima, o apresentador e crítico Roger Lerina entrevista equipe dos curtas-metragens Remoinho e Você tem olhos tristes, em foto divulgação de Cleiton Thiele.
Para falarmos do penúltimo longa-metragem brasileiro em competição, exibido ontem (23), no 48º Festival de Cinema de Gramado – Me chama que eu vou, de Joana Mariani -, pedimos licença aos leitores para citarmos uma síntese precisa, feita pelo pernambucano Celso Marconi, que, aos 90 anos de idade, e com 66 deles atuando como crítico de cinema, acompanha a programação do festival da Serra Gaúcha pela primeira vez.
Celso, no comentário, postado ontem mesmo em sua página no Facebook, resume: “Se você gosta do cantor, você gosta do filme. Não é o filme que lhe interessa”. (Leia a reflexão completa de Celso Marconi ao final desse texto).
De fato, as opções feitas por documentários como Me chama que eu vou e também O samba é primo do jazz, de Angela Zoé, exibido segunda-feira (21), são, como já mencionamos, uma celebração à carreira do artista que documentam. O filme de Mariani, sobre Sidney Magal, ao contrário do de Zoé, sobre Alcione, ao menos se permite um espaço para encarar as variações entre os altos e baixos, entre o natural assédio e também esquecimento da mídia. Algo natural para o caso de carreiras tão longas como a de Magal e a de Alcione.
De qualquer forma, em Me chama que eu vou, o volumoso material com imagens de arquivo de Magal é, sem dúvida, um atrativo a parte (bem apurado e administrado por Mariani em seu filme). Percebe-se também, e melhor, a mão da direção (mais a edição, logicamente) no filme sobre Magal, particularmente no que diz respeito a trabalhar um discurso para contar uma história. Um dos mais destacados exemplos disso surge no ponto em que o filme muda o tom para falar da queda de popularidade do artista e impõe na tela uma barra de cores com seu bip agudo. Um ícone máximo da tevê informando que a transmissão (no caso, o Magal) foi interrompida. Está fora do ar.
A relação íntima e familiar do artista é também melhor explorada aqui, em relação ao O samba é primo do jazz – infelizmente a comparação é quase incontornável, uma vez que o festival destacou duas autobiografias de dois músicas cujo auge aconteceu na mesma época, tendo ambos sido trabalhados, inclusive, pelo mesmo produtor, Roberto Livi (dado, a propósito, colocado pelo doc. sobre Magal).
A riqueza no material de arquivo e a dinâmica no ritmo de Me chama… acaba por torná-lo mais atraente do que já era o seu concorrente pelo Kikito em Gramado, mas, seja como for, ambos documentários são competentes em se estabelecerem como um retrato fidedigno, em termos de energia e alegria, de seus cinebiografados.
CURTAS – Celso Marconi também foi no ponto ao comentar o longa-metragem estrangeiro exibido ontem, o chileno Los fuertes¸ de Omar Zúñiga, quando observa que a obra se debruça sobre um casal gay mas que “o mais específico, porém, do ponto de vista cinematográfico é que a estrutura fílmica não explicita isso. É um filme romântico”.
De fato, Los fuertes, apesar de, em alguns momentos, também fazer locomover os seus protagonistas em função da (infelizmente) habitual tensão que se conhece pela homofobia, concentra sua maior energia na história romântica entre Lucas (Samuel González) e Antonio (Antonio Altamirano).
Clique aqui para ler crítica de Felipe Berardo para Los Fuertes.
Ainda mais sútil, no campo do gênero sexual, é o curta-metragem Você tem olhos tristes, de Diogo Leite. Nesse sentido, o trabalho de Diogo dá um gigantesco salto adiante na cinematografia brasileira quando deixa de lado, em seu enredo, a discussão sobre aspectos dessa natureza. O enredo apresenta um contexto que em 2020 (infelizmente) ainda causa espanto numa parcela da sociedade e que, almeja-se, no futuro, seja algo resolvido como já o é no filme de Diogo a partir da relação amorosa entre o protagonista vivido pelo ótimo ator Daniel Veiga com a namorada (Larissa Ballarotti) desse personagem.
O que não passa batido ao Diogo em olhos tristes… é a brutalidade da distinção entre classes sociais e do racismo. Tudo, entretanto, construído com elegância e maturidade. Inclusive no seu desfecho simples, tocante, marcante.
Por fim, uma sugestão: (re)vejam o filme anterior de Diogo – Menino pássaro, que lhe deu o título de melhor diretor em Gramado 2019 -, e anotem o nome Diogo Leite. O cinema brasileiro deverá falar muito dele no futuro.
O outro curta da noite veio da Paraíba, assinado por Tiago A. Neves – Remoinho –, trabalha sobre o interior de Maria (Cely Farias), uma personagem silenciosa, árida, que retorna à casa da mãe (Zezita Mattos) no interior da Paraíba, após muitos anos, com seu filho de 8 ou 9 anos. O filme segue conduzindo-se no silêncio de Maria para, ao final, por um gesto audacioso, revelar a sua individualidade.
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A TV mudou gramado ou ele nunca foi elitista?
Por Celso Marconi
Me sinto obrigado a falar sobre o meu conceito do Festival de Cinema de Gramado que eu disse no primeiro comentário dessa série que era um festival elitista. Com a programação que estamos tendo esse ano a verdade é que temos um Festival democrático ou mesmo popular pois uma direção para agradar a elite não colocaria por exemplo dois documentários longas tendo como tema dois cantores populares Alcione e Sidney Magal. E nessa edição temos uma ampla variedade de gêneros e certamente o que temos mesmo é o cinema que está sendo feito no momento atual. Se algum grande filme ficou fora da seleção penso que não foi por culpa da comissão de seleção. O Festival de Gramado teve um período elitista e depois tentou mudar e até ficou sem rumo certo. Talvez esse ano sirva para que tomem uma nova caminhada junto do grande público.
O que realmente falta a esses dois documentários sobre Alcione e Sidney Magal é uma posição do cineasta lembrando que a força de um filme está na sua direção, na sua linguagem, na sua forma de ser cinema e não simplesmente colocar uma cena na frente da câmera e pensar que essa cena é que é o filme. Então se você gosta do cantor ou da cantora você gosta do filme. Não é o filme que lhe interessa.
Os dois curtas do dia 23.9.2020 são interessantes. Inclusive o paraibano surpreende como coloca uma ação de forma tão direta. A moça que vai levar o filho para ficar com a avó se comporta de forma bem cinematográfica, é boa intérprete. E engraçado é que o curta paulista também coloca uma ação surpreendente. Do personagem. Temos “Remoinho” de Tiago A. Neves da Paraíba e “Você tem olhos tristes” de Diogo Leite de São Paulo.
O longa estrangeiro “Los fuertes” dirigido por Omar Zúñiga do Chile é explicitamente um filme homossexual. Trata do amor entre dois rapazes. O mais específico porém do ponto de vista cinematográfico é que a estrutura fílmica não explicita isso. É um filme romântico. E as cenas acontecem independente de quem ou de que gênero de gente está sendo filmada. E assim é uma obra comum e além de mostrar o caso de amor se desenvolve com as outras sequências da vida com o jovem e a irmã, por exemplo. E as cenas da própria vida na comunidade. Foi bom que o tenham escolhido para fazer parte do Festival fugindo assim ao preconceito.
Olinda 23. 9. 2020
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Acompanhe a entrevista de hoje (24) com os realizadores dos filme exibidos na noite de ontem (23) no vídeo abaixo, hospedado no canal do Festival de Gramado no YouTube.
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