X

0 Comentários

Festivais

38º Guadalajara (2023) – Heróico

Heroico:  “Abaixo os militares!”

Por Ivonete Pinto | 13.06.2023 (terça-feira)

O 38º Festival Internacional de Cinema de Guadalajara que encerrou na última sexta-feira (9), confirma a vocação de concentrar-se na produção latino-americana e de selecionar filmes mexicanos que, distribuídos em várias categorias, espelham de alguma forma a sociedade que os gerou. Os filmes mais premiados desta edição, Heroico e Kenya, certamente fazem este papel: o primeiro trata de um recém soldado sofrendo a  brutalidade por parte do exército mexicano; o segundo do assassinato de uma mulher trans e da luta contra a transfobia que suas amigas empreendem.

O júri Fipresci, que julgou a seção Mezcal, composta por 11 filmes entre ficções e documentários mexicanos, deu o prêmio da crítica a Heroico (2023), de David Zonana.  Na justificativa, o júri composto por Andrew Kendall (Guiana), Valentina Giraldo Sánchez (Colômbia) e Ivonete Pinto (Brasil), destacou que o filme expõe de modo contundente os vínculos entre a violência patriarcal e a hegemonia militarista.

Cortante e inflexível, Heroico teve sua estreia em Sundance em janeiro deste ano. Trabalhando o drama com ritmo de thriller, alcança as entranhas de um sistema – o militar -, corrupto e corruptor, que vem marcando há décadas a história da América Latina. Poderíamos dizer mais: não se trata de mais um filme sobre os crimes cometidos por paramilitares. É um filme que reflete a violência institucional praticada pelas Forças Armadas de todos os países em geral e do México em particular. Aquela violência que não se restringe aos castigos físicos, mas que também opera através do assédio, da pressão psicológica que deixa cicatrizes para sempre.

“Heroico” e a violência institucional praticada pelas Forças Armadas

No enredo, Luís Muñoz (Santiago Sandoval Carbajal) é um jovem de 18 anos da comunidade indígena no interior do México. A questão étnica já indica sua condição social, que por sua vez explica a razão da urgência para entrar no Colégio Militar. Sua mãe, gravemente doente, depende do plano de saúde que o filho tem direito para poder se tratar.

Mas logo na chegada ao Colégio Militar, Luís começa a sofrer assédio por parte de um oficial que o coopta a praticar assaltos com sua gangue de militares. Sim, por mais inacreditável que seja, esta é a situação. Num clima de terror a la Laranja mecânica (com direito a uma cena de estupro,  só que de curtíssima duração), o grupo envolve Luís, que até ensaia desistir da carreira militar, mas pressionado pela mãe vê-se num caminho sem volta.

O roteiro, também assinado por David Zonana, pesa a mão na representação desses militares, chegando a sugerir muito claramente inclusive um interesse sexual do oficial para com o
jovem aspirante a soldado.

Zonana: Diretor e roteirista

Entende-se, pois, que se trata de uma postura política do filme, que joga toda sua contundência na crítica ao Exército. Às vezes de modo explícito, às vezes por meio de insinuações. Neste aspecto, cabe ressaltar a capacidade do filme de expressar a aceitação de Luís ao assédio do oficial superior.

Utilizando-se de planos muito próximos ao personagem, percebemos seu desconforto, o não saber como reagir. Para além da condição de subalterno, o filme não nos deixar esquecer que Luís não tem saída. E seu heroísmo se dá, ao final, com o único meio  pelo qual teve acesso.

Desta forma, o filme se apodera de uma coragem louvável, pois traz à tela uma imagem absolutamente negativa e desprezível do Exército do México. Ao fazê-lo, David Zonana está falando das Forças Armadas de toda a América Latina, marcada por golpes militares com níveis de repressão dos mais sangrentos.

Em um momento histórico como estamos vivendo, onde os militares, sobretudo no Brasil, aproximam-se da política para retomarem o poder que tiveram nas ditaduras, é bem-vinda esta exposição. Militares estavam e estão envolvidos em toda sorte de corrupção e representam o que há de mais daninho para os (frágeis) sistemas democráticos latinos.

O destemor de assumir esta crítica em Heroico é surpreendente. O diretor já havia abordado a questão social no México em Mano de obra (2019), que trata da exploração do trabalho na construção civil. Heroico talvez enfrente obstáculos em seu país por tocar em vespeiro. Mas de qualquer forma, com o atual governo de centro e com a projeção que o festival de Guadalajara lhe dará, poderá ter uma distribuição satisfatória e chegar ao público. Tomar que chegue ao Brasil, que precisa tanto refletir sobre seus militares.

 

Mais Recentes

Publicidade