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Festivais

55º Brasília (2022) – “Canção ao Longe”

Clarissa Campolina fala sobre seu novo filme e dos desafios para realizá-lo

Por Paulo Henrique Silva | 21.11.2022 (segunda-feira)

– acima, imagem divulgação do filme Canção ao Longe.

A cineasta Clarissa Campolina tem uma amiga que mantém uma relação com o pai somente por meio de cartas. “Eles não se veem desde quando ela tinha sete anos de idade. Isso me instigou a pensar sobre o fato de o pai continuar presente na vida dela, apesar de tamanha distância. Existia uma recusa real de (usar) Skype, whatsapp, num momento muito fácil de isso acontecer. Parece que, se algo mudasse, a relação se desmoronaria”, registra a realizadora.

A situação inspirou a criação dos personagens de Canção ao longe, longa-metragem que teve a sua primeira exibição no Brasil durante o 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Clarissa é nascida na capital federal, mas mora há vários anos em Belo Horizonte, onde desenvolveu uma carreira marcada por filmes premiados – no festival brasiliense, ganhou o troféu principal na categoria de melhor curta-metragem em 2006, com Trecho, codirigido por Helvécio Marins Jr.

Canção ao longe acompanha o dia a dia de Jimena, uma jovem em busca de sua identidade. A diretora conta que, aliado à insólita história da amiga, a ideia do roteiro tomou forma após se engravidar e se questionar sobre a criação do filho. “Pensava em todos os modelos que me formaram e que talvez tivesse o dever de desestruturá-los. Entrei numa espécie de crise ao pensar que, só pelo fato de construir uma família, não estaria reproduzindo o modelo que me ensinaram”.

O filme francês L’Atalante (1934) também serviu de referência, especialmente em relação à construção ambígua dos personagens. “A intenção não era fazer uma imagem realista, mas criar de fato uma suspensão e deixar, de alguma forma, uma tensão que existe nessas relações, que podem ser as mais íntimas possíveis, entre um pai e uma filha. Ela permeia todo o filme, criando um certo desconforto, tentando apontar para a necessidade de romper alguma hierarquia”.

Como ocorre em vários de seus filmes, Clarissa faz questão de adicionar ao elenco atores não-profissionais, entre eles a artista visual e tatuadora Mônica Maria, que vive Jimena. “Ela trouxe uma interpretação do roteiro que eu não tinha feito. Trabalhar com pessoas que deslocam o seu olhar é muito interessante”, releva Clarissa, que segue a máxima de “nunca estar sentada em seu pensamento”.

Ela realiza o seu primeiro filme com uma equipe maior, o que lhe trouxe o receio de não conseguir conversar com todos os integrantes da equipe. “Desde a Teia (coletivo onde fez os primeiros trabalhos), a gente traz a ideia de que cada projeto de filme tem que achar o seu próprio desenho de produção. O fato de trabalhar com a (assistente de direção) Paula Santos e com a (produtora) Luana Melgaço faz com que a gente discuta muito, sempre pensando em estratégias”, assinala.

Luana conta que, desde o curta Trecho, elas precisaram “ir se acomodando a um jeito de fazer que programado pela indústria”. A produtora lembra que “naquela época, a gente era muito mais livre. Alguns dias a gente filmava muito, outros menos. Tínhamos um outro tempo de criação e ação. Mas, como se trata também de um negócio, com a indústria de outros profissionais, como fornecedores de equipamentos caríssimos, fomos nos adequando a um modelo que é muito violento”.

Luana é uma das principais produtoras de Minas Gerais, assinando o seu nome em vários trabalhos recentes, como o recém-lançado Kevin, de Joana Oliveira. Ela explica que começou a expandir as parcerias após perceber que, na Anavilhana, produtora que mantém ao lado de Clarissa e a diretora Marília Rocha (A cidade onde envelheço), os filmes da casa passavam por longos processos até chegar às telas. “A formação da profissão é atuando”, salienta.

“Comecei a trazer isso (outras produções) para a Anavilhana. Entre novembro de 2021 e agosto de 2022, rodamos três longas, um ano muito movimentado para tentar colocar em dia tudo o que ficou parado (devido à pandemia). A gente está praticamente à deriva das políticas públicas desde 2018, com muito pouco acontecendo para nós, realizadores que trabalham com cinema autoral. Estamos vivendo o que a gente conquistou antes desse desgoverno todo vivemos”, afirma.

Ela se diz ansiosa pela “próxima temporada de Brasil” para voltar a produzir como antigamente. “Falo isso não só pensando em nós, cineastas, mas também na força que a atividade que exercemos, com a gente podendo se ver na tela de maneiras tão diferentes. Isso é importante para nós como país. Teremos muito que trabalhar para reconstruir essa política pública que foi desfeita”.

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