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Críticas

Nintendo e Eu

A absorção do modo de vida da classe média norte-americana no que já foi chamado de ‘Terceiro Mundo’

Por Humberto Silva | 21.04.2023 (sexta-feira)

O cinema nas Filipinas faria um cinéfilo pensar imediatamente em Lav Diaz, um dos nomes mais cultuados dos “cinemas periféricos” (Remissão aqui, óbvio, ao referencial livro de Ivonete Pinto, Cinemas periféricos – estéticas e contextos não hegemônicos, a ser lido por todos que escapem ao mainstream americanizado).

Certo, quem quer que reflita o minimum minimorum sobre cinema, mercado e indústria supõe em qualquer país “periférico” uma produção fílmica popular… – talvez esse termo precise ser repensado…; bem, uma produção de filmes com olho nas bilheterias…

Nintendo e eu (Death of Nintendo, 2020), de Raya Martin, é um filme filipino. Melhor: uma produção que envolve as Filipinas, os Estados Unidos e Singapura (vivemos o tempo da coprodução na ordem global). Então vejamos: filipino é um recorte do “mundo” filmado. Tentativa de precisão: o espaço diegético (locações em Rizal, província filipina).

Para surpresa de um espectador literalmente do outro lado do mundo, Nintendo e eu exibe os contornos de um mundo com suas peculiaridades locais na cena global. Quer dizer: tudo tão estranho… quanto familiar.

O cotidiano de adolescentes… (Hollywood fez isso ad nauseam com “adolescentes adultos”…) menores de idade: aparentemente entre treze e dezesseis anos; ou seja: para meu olhar, meninos e meninas. Os adultos – as mães, pois os pais são ausentes… – têm presença significativamente laterais; sequer se explicita do que vivem, como se sustentam.

A década é a de 1990, e a molecada está entre os 13 e 16 anos.

O cotidiano de meninos e meninas nas Filipinas no início da década de 1990. Momento em que a Internet e jogos (games) se espraiam e chegam ao arquipélago do sudeste asiático. Momento em que os adolescentes (meninos e meninas) assimilam e são totalmente absorvidos pelo mundo do entretenimento (passam o tempo com o Nintendo) e modismos americanizados. Momento em que, com a queda dos regimes comunistas, as fronteiras culturais na ordem global são fluidas. Momento em que o comportamento de um menino e de uma menina filipinos não difere na superfície do de um… menino e menina aqui no Brasil.

A origem social dos meninos e meninas em Nintendo e eu (os sociólogos de plantão podem corrigir) é da que poderíamos chamar de classe média alta (em Rizal vivem famílias abastadas nas Filipinas): consomem produtos americanos – Coca-Cola, tênis Nike –, cultuam ídolos do basquete – Michael Jordan, Magic Johnson –, os meninos se esbaldam com revistas para adultos – Playboy, Hustler – e as meninas romantizam namoros ingênuos.

O fio narrativo de Nintendo e eu é simples, centrado em diversas situações em que meninos e meninas se envolvem em aventuras típicas da idade para que assim possam curtir o presente sem nenhuma responsabilidade. O que, em alguns momentos, gera tensões no ambiente doméstico. O que, ainda, não gera desestabilidade no ambiente doméstico: tudo se resolve e a vida segue.

Na narrativa, aventuras e mais aventuras próprias da idade dos protagonistas

Ora, o que, entendo, se pode reter de Nintendo e eu? O avanço desmedido da ordem do capital, do consumo stricto sensu, em países “periféricos”. Em resumo: a absorção do modo de vida da classe média norte-americana onde, nos tempos de Guerra Fria, foi o chamado Terceiro Mundo. Mais: a enorme influência desse modo de vida na vida de… meninos e meninas nos quatro cantos do mundo. Imagino, não seria surpresa, a mesma história (enredo) de Nintendo e eu em alguma ilha do Pacífico Sul…, penso em Tutuila, nas Ilhas Samoa Americana.

 

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