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Críticas

Barbie

O lado rosa da força (do marketing)

Por Luiz Joaquim | 19.07.2023 (quarta-feira)

Se a causa feminista aponta, em 2023, que as mulheres não devem ser estigmatizadas por nenhum aspecto, incluindo aí a sua estonteante beleza física, então como se comportaria, neste mundo de hoje, o ícone maior e ditador, no mundo ocidental, de um padrão da beleza feminina há mais de meio século? E, ainda, como este mundo deve se comportar diante desta Barbie?

As respostas para estas perguntas são as que Greta Gerwig procura nos dar por meio de Barbie (idem, EUA, 2023), seu quinto longa-metragem assinando a direção (além do roteiro a quatro mãos com o marido, Noah Baumbach) e que entra em cartaz – melhor seria dizer que “arromba a porta” do cartaz – amanhã (20).

Isto porque Barbie, o filme, é daqueles sucessos pré-fabricados pelo marketing. Antes de nascer amanhã para a sua plateia, a obra já é querida e desejada por mais da metade do público que irá conferir o seu “melhor filme do ano” desta semana.

Em abril, o marketing por trás da produção movimentou o mundo inteiro em torno de um tipo de selfie que gerava características faciais de uma pessoa e as colocava num cenário “barbiano”, indicando quem ela seria na fila do pão da “barbilândia”. Nem o atual prefeito do Recife, o midiático João Campos (PSB), escapou da febre mundial de aparecer no universo rosa. 

No mundo rosa.

Resultado? Hoje, no Brasil, país dos memes, o filme já possui o título de maior pré-venda de ingressos entre as obras distribuídas pela Warner Bros. aqui no nosso território, é o que a sua assessoria de imprensa nos conta.

Mas, e o filme? Informação #1 para quem ainda tem dúvida: Barbie não é um filme infantil. Se levar seu pimpolho para uma sessão, ele poderá ficar entediado ali pela metade do projeção. A tática aqui, nesta produção, é usar o universo infantilizado da Barbie para tentar colocar algumas ideias de sociabilidade contemporânea respeitosas e igualitárias para e pelas mulheres na cabeça infantil que habita corpos de adultos, seja heteros ou de quem se percebe em qualquer letra do universo LGBTQIAP+

O roteiro segue os clássicos três atos do padrão hollywoodiano de apresentação dos personagens em seu mundo, incluindo uma problematização inicial; depois a busca por uma solução; e o encontro da resolução final. 

A chave que desperta a Barbie original (Margot Robbie) de seu perfeito mundo rosa, no qual toda noite é a “noite das garotas” – e, nele, o apaixonado Ken (Ryan Gosling) nunca tem uma chance íntima com a boneca loira -, é um inusitado pensamento sobre a morte durante uma festa numa dessas ‘noite das garotas’. 

Barbie e seu pé-chato

Logo ela irá descobrir com a Barbie Esquisita (Kate McKinnon) que sua depressão se dá por conta da menina que é a sua dona no mundo real tê-la modificado por lá. Como consequência, passa a ser uma questão de tempo até Barbie ganhar pé-chato e celulite. Além disso, a membrana que protege a Barbilândia do mundo real poderá estar também correndo riscos.

Barbie e Ken chegam ao mundo real por Miami Beach. (Mundo real?)

E assim Barbie e Ken, este de carona, seguem sua aventura pelo mundo real, chegando a Miami Beach (não tão real assim, não é verdade?) para salvar a Barbilândia.

Mas o ponto que torna Barbie um filme a ser levado a sério está naquilo que a boneca encontra ao retornar para o seu mundo. 

Quando ela volta, Ken já está por lá e a boneca vê que o seu universo de conto de fadas virou de ponta-cabeça, com as ideias de um patriarcado ali instaladas por Ken a partir do que ele aprendeu no mundo real.

Em resumo, “Barbilândia” está prestes a virar um “Kengdom” (neologismo inglês para resumir a ideia de ‘Reino do Ken’), e a luta agora será para reconduzir todas as outras Barbies à soberania que sempre ocuparam na Barbilândia.

Mas, uma vez contaminada pelas contradições do humanos em sua passagem pelo mundo real, e já com a paz feminina reestabelecida na Barbilândia, qual seria o lugar da Barbie original naquele mundo rosa, feito de glitter e plástico?

Uma boneca criada pelos padrões de comportamento da década de 1950? Feita para sempre estar impecável em sua beleza e alegria, e sem nunca mergulhar de modo vertical nas gradações dos sentimentos humanos?

Barbie descolada não. Deslocada.

Tal qual um Pinóquio vestindo rosa, a Barbie original agora está pronta para amadurecer ainda mais e tornar-se humana. É quando Deus, no caso uma deusa, Ruth Handler (1916-2002), criadora da boneca em 1959, entra em cena para conduzi-la nessa transição 

Sob uma ótica cristã, e ao contrário do que aponta o Gênesis bíblico a respeito de Adão e Eva serem conduzidos a deixar o Paraíso por terem cometido o pecado original, na passagem de Barbie ela deixará o seu paraíso rosa para, entre outras coisas, poder fazer exatamente o oposto daquilo pelo qual Adão e Eva foram punidos, ou seja, Barbie será recompensada podendo finalmente ser feliz com a sua genitália e, quem sabe, experimentar o “pecado” da carne. 

É um recado e tanto de Barbie, principalmente para barbie girls que já deixaram a adolescência há mais de uma década. 

O recado também é dado para os eternos Ken da vida real. São, enfim, aqueles Apolos que apodrecem na idade mas nunca amadurecem na sensibilidade emotiva ou intelectual. 

A elaboração sobre o despertar de Ken não é tão sofisticada quanto o de Barbie aqui no filme – caso contrário o título da produção seria Barbie e Ken. 

Ken e os vários Kens prontos para brigar em nome da vaidade masculina.

Mas os fãs, desde nascença, da boneca loira-rosa, e seus novos fãs do mês de abril até aqui, não precisam se preocupar. A jornalista Marisa Dellatto, na Forbes Brasil, divulgou que a Mattel, empresa que lançou o brinquedo em 1959, gostou da nova fama da Barbie pelo cinema e tem planos para lançar outros 45 filmes a partir de outros brinquedos de seu portfólio. Quem sabe em 2024, todos nós não estaremos alimentando o marketing do filme  “Kengdom” com a nossa própria imagem? 

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