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Críticas

Vidas Passadas

Amores inconclusos, amores infinitos

Por Luiz Joaquim | 19.01.2024 (sexta-feira)

Vidas passadas recebeu indicações nas categorias de ‘Melhor Filme’ e ‘Melhor Roteiro Original’ no 96º Oscar. Confira a lista dos selecionados.

É curioso o quanto se escuta de conselho, disfarçado de comentário, sugerindo que não se deve olhar para trás na vida. O caminho a ser desbravado está na nossa frente e é para lá que se deve mirar. É um conselho óbvio, convenhamos (e mesmo assim valioso para aquela pessoa psicologicamente fragilizada), mas o ponto aqui não é a obviedade do conselho e sim a quase demonização do passado que comentários assim trazem consigo.

Celine Song, uma jovem cineasta da altura de seus 34 anos – idade em que concluiu o roteiro e produziu o primeiro longa-metragem que assina a direção -, nos entrega nessa quinta-feira (25) um sutil recado sobre o equívoco na pretensão totalizadora por traz de uma ideia óbvia.

Em outras palavras, subverter o óbvio pode ser sadio para, finalmente e realmente, evoluir.

 O filme chama-se Vidas passadas (Past lives, EUA/Cor. do Sul, 2022). O seu reconhecimento mundial simplesmente não para de crescer desde fevereiro de 2023, quando concorreu em Berlim e, mais recentemente, ao ter cinco indicações no Globo de Ouro (melhor filme Drama, direção, roteiro, atriz em drama, filme estrangeiro).

Para a protagonista de Vidas passadas, a sul-coreana Nora (Greta Lee), que aos 12 anos de idade mudou-se de Seul para Toronto com a família e depois foi morar em Nova Iorque, o óbvio estava em, já adulta, olhar com desimportância para aquilo que a definiu numa fase de sua pré-adolescência. Época em que conheceu o primeiro amor ainda na escola: o colega Hae Sung (Teo Yoo).

Enquanto Nora foi atrás de seus sonhos fora da Coreia do Sul, Hae Sung ficou por lá e percorreu os seus próprios no país de origem. Tornou-se, em suas palavras, um mediano engenheiro e vive uma vida ordinária, comum, trivial, aos olhos de um estrangeiro em Seul.

É como um estrangeiro, a propósito, que nós espectadores o enxergamos quando ele, finalmente, consegue reencontrar em Nova Iorque o seu primeiro amor, 24 anos após a melancólica despedida na pre-adolescência.

Hae Sung (Teo Yoo), à direita, um turista sentimental

Lá, ele finalmente reencontra Nora: uma dramaturga de 36 anos vivendo num pequeno apartamento com seu marido, o escritor Arthur (John Magaro). Nora hoje é ainda muito parecida mas é também distante daquela menina que aos 12 anos, em Seul, sonhava em ganhar um Nobel da Literatura. Aos 24 anos, já nos EUA, seu deseja era vencer um Pultizer, e aos 36, a pretensão só chegava a um troféu Tony.

É tocante como Celine Song, diante de nossos olhos, constrói seus protagonistas, Nora e Hae Sung, numa comunhão de coerência, cada um em seu propósito. Eles vivem uma das formas do amor eterno: o amor impossível. Foram separados não por uma incompatibilidade de temperamento ou de sonhos mas por uma imposição de 11 mil quilômetros de distância entre Seul e Nova Iorque.

Sem nunca terem vivido o que poderiam ter vivido (incluindo desilusões mútuas), o que lhes ficou, para o eterno, é a beleza daquele florescer amoroso aos 12 anos de idade e o carinho trocado quando iniciaram um rápido romance virtual via Skype na época da faculdade. Cyberomance que ruiu pelo fantasma da impossibilidade de um relacionamento presencial entre os dois.

Com Nora em um casamento estável e tranquilamente amoroso e com Hae Sung solteiro, ambos se reencontram já maduros o suficiente para entender que um não cabe mais na vida do outro.

O sorriso e o calor do primeiro reencontro

Mas uma coisa é entender algo racionalmente, outra é sentir esse algo.

Vidas passadas se insere, portanto, na filmografia dos amores não consumidos ou proibitivos, e, portanto, absolutamente tristes. Do icônico e arrasador Desencanto (1945), ao também asiático e belo Amor à flor da pele (2000), até chegar ao pernambucano Permanência (2014), de Leonardo Lacca, o que temos aqui é a impotência se impondo sobre o desejo. É arrasador.

Mas Vidas passadas não deixa o ‘elefante branco’ passear tranquilo pela sala. Nora e Hae Sung o esgarçam. Conversam, remoem o assunto mas com leveza, ainda que não livres de um incômodo contido. Ele entedem que hoje são outros, mesmo que sejam, em alguma medida, os mesmos das ‘vidas passadas’.

O processo desse aprendizado, ao olhar sentimentalmente para o que ficou para trás e processá-lo, é lindamente representado em duas sequências muito marcadas esteticamente. Na primeira, a sorridente certeza de Nora aparece no abraço caloroso ao encontrar com Hae-Sung pela primeira vez em Nova Iorque. E aquilo que era sorriso e certeza se transforma em dúvida e lamento choroso, uma semana depois, ao se despedir do amigo.

Triângulo dos amores. Nora (Lee), Arthur (Magaro) e Hae-Sung (Teo Yoo).

Não “dúvida” pelo amor ao seu marido Arthur, mas dúvida sobre uma outra vida que ela nunca poderá saber como teria sido ao lado daquele que foi o seu puro e primeiro amor.

É como se Celine Song, com o seu triste romance, nos sussurrasse o que já sabemos com relação a história da humanidade. Que, sim, é importante revisitar o passado e encarar de frente o que ficou para trás, o irá nos ajudar, nos fazendo olhar de forma mais clara para o nosso presente.

Com o detalhe que o seu sussurro aqui se refere não à história da humanidade, mas sim ao amor.

 

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