
Família de Aluguel
Quem disse que não podemos escolher nossas famílias? Humor e melancolia juntos e exitosos aqui.
Por Luiz Joaquim | 11.12.2025 (quinta-feira)
É uma surpresa muito boa ver Brendan Fraser ir para onde quer ir, em termos criativos, a partir da autoridade conquistada com sua estatueta do Oscar (por A baleia, 2023). O ano de 2026 vai começar nos apresentando esse pequeno-grande filme, Família de aluguel – estreia 8 de janeiro – do qual Frase é ele próprio, além de protagonista, produtor executivo.
Ainda que venha com um título que sugira uma grande, abestalhada e carioquíssima globochanchada Família de aluguel (Rental Family, EUA/JAP., 2025), da japonesa Hikari (ela assina apenas `Hikari`) merece muita atenção.
E, por mais improvável que a situação proposta em seu enredo possa parecer – um ator norte-americano desempregado (Fraser), vivendo em Tóquio há sete anos, começa a trabalhar numa agência de ‘família de aluguel’, pela qual ele se passa por namorado, amigo, pai, ou qualquer outro papel social dentro de um contexto específico, para agradar ou ajudar alguém (com ou sem o consentimento desse alguém) -, ela, a situação, é real e legal no Japão.
Conforme informa a própria Hikari em vídeo de boas-vindas, colado na abertura do filme, tais empresas são mais comuns do que se imagina. A cineasta aproveita e também nos lembra, como que antecipando o que o seu filme vai nos apresentar, que a família é algo que também pode ser escolhida.
Mas não há nenhum spoiler aí. O que o seu roteiro, co-escrito com Stephen Blahut, nos entrega vai sempre surpreendendo ainda que dentro de uma previsibilidade tácita, despreocupada, que não está interessada em impressionar.
Está claro que Família de aluguel nós dá pistas fáceis do caminho para onde irá a partir do seu carente protagonista Phillip (Fraser). Se não, vejamos: Um cinquentão extremamente solitário, a 10 mil quilômetros de sua terra natal, morando na 3a. cidade mais populosa do mundo, é contratado pela mãe de Mia, uma menina ali pelos seus 7 anos, sem que a pequena saiba, para fingir ser o seu pai por três semanas. O objetivo é ajudá-la nas aparências durante uma entrevista familiar numa importante escola na qual a mãe pleiteia uma vaga para Mia (Shannon Mahina Gorman).

Entre a paternidade e a relação com o seu pai, nunca feliz
A mentira já nasce com uma data de encerramento. O drama já está dado de início. O fragilizado Phillip obviamente irá se afeiçoar à pequena e, daí, como encerrar uma das relações mais humanamente honestas que ele já conheceu na vida?
A surpresa, ou as surpresas, de Família de aluguel não está nesse desfecho, mas no entrelaço das relações entre os personagem, nos indicando quem é realmente Phillip. Ele é o residente do minúsculo apartamento que, nas noites sozinhas, calado, observa pela janela os vizinhos no prédio da frente, desejoso daquelas vidas vivas.
É o ator que questiona a ética de se passar por alguém que não é. É o gaijin (estrangeiro) que, mesmo que viva 100 anos no Japão, sempre terá mais respostas que perguntas, e que, humildemente, reconhece sua condição. É o profissional que abdica da maior chance de sua carreira para manter-se fiel a alguém que não poderá retribuir a fidelidade.

Fraser em seu “Phillip”: frágil, solitário e firme na retidão da honestidade
E Fraser, o ator, consegue uma façanha aqui: a de administrar um personagem dúbio. Não em sua integridade moral, mas como um ator que, sem perder o rebolado, habita uma narrativa estética e estrategicamente dúbia. Explicamos: Família de aluguel começa deliberadamente pela chave do humor rasgado.
Seja pelos perrengues nos comerciais de tevê que sustentaram Phillip no Japão, seja pelo seu personagem descobrindo o bizarro no novo emprego junto conosco, espectadores. Só que, com ele sofrendo e conosco sorrindo de seus atrapalhos nas situações inusitadas.
Acontece que, aquilo que se propõe inicialmente como uma raquítica comédia vai aos poucos ganhando cores escuras, com o Phillip de Fraser íntegro em sua unidade e entrando num cinza existencial que só recrudesce com a entrada do veterano ator japonês Akira Emoto. Um rosto marcante, presente em mais de 300 produções japonesas ao longo de cinco décadas.

Emoto e Fraser: um feliz encontro
Akira Emoto contracena com Fraser uma daquelas cenas que suspendem o fôlego do espectador. Ele vive Kioko, um outrora famoso ator que se sente esquecido pelo mundo e tem também suas próprias memórias sendo gradativamente apagadas por um Alzheimer inicial.
O personagem Kioko “serve” a Phillip para lembrar-lhe que sem o outro não existimos, com o filme levando este díptico – isolamento / (falta de) memória -, moldador de uma específica personalidade humana, a um patamar de melancolia estremecedoramente tocante. Parabéns à beleza que surgiu do encontro entre Emoto, Fraser e Hikari.
Nesse sentido, Hiraki parece ter conseguido um equilíbrio interessante entre o que Ocidente gosta em seus filmes – graça inocente – com aquilo que o que Japão fez de melhor em sua cinematografia – sugestionar o sentido da vida pela troca das relações familiares.
Vale também um registro sobre a trilha sonora criada pela dupla Jônsi e Alex Somers que, ainda que belíssima, mostra-se mais presente do que parece necessária.
Numa síntese, Família de aluguel joga o pobre Phillip no fogo, obrigando-o a ser um pai à jato e por contrato, ao mesmo tempo em que descobre a alegria de ser também o filho que nunca foi, ainda que, à princípio, por encomenda.
É demais para qualquer um.















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