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Críticas

Moça com Brinco de Pérola

Beleza misteriosa

Por Luiz Joaquim | 25.08.2004 (quarta-feira)

São poucos os filmes que se dedicam com veneração quase religiosa à uma mulher; e mais raro ainda são aqueles que conseguem traduzir essa devoção para a língua do cinema com competência. Moça com Brinco de Pérola (Girl With a Pear Earring, Ing., 2003) não só cumpre essas dois pontos como também suga o espectador para uma profusão de imagens de refinamento e pureza visual também raros hoje em dia.

O objeto de adoração do diretor Peter Webber é Scarlett Johansson (a angustiada garota de Encontros e Desencontros), e Webber transpõe para a beleza de sua musa o mesmo mistério que envolveu o relacionamento entre o pintor holandês do século 17, Johannes Vermmer, e a modelo que posou para sua pintura mais conhecida (que tem o título homônimo ao do filme). Essa modelo era Griet (Johansson), a empregada doméstica de Vermmer.

Griet é uma protestante pudica e comedida servindo a uma família católica pertencente a uma casta decadente cuja economia depende da condescendência de mecenas para com a arte de Vermmer (Colin Firth, o ‘certinho’ de O Diário de Bridget Jones). Quando perambula calada pelos cantos da casa, sempre cabisbaixa e com os cabelos encobertos, Griet começa a chamar a atenção do artista – já sem inspiração diante da mediocridade de ter de produzir por encomenda. Griet causa deslumbramento em Vermmer não só pela sua beleza e elegância, mas também pelo seu incomum gosto pela arte.

Tendo saído da televisão britânica, o diretor Webber consegue exibir aqui um estupendo senso de compreensão quanto às relações humanas no nível metafísico. Uma boa referência nesse campo é Wong Kar Wai com Amor à Flor da Pele. Auxiliado pela fotografia do português Eduardo Serra (que perdeu o Oscar para Mestre dos Mares), Webber vai construindo com maestria a cumplicidade entre Vemmer e Griet.

Sua estratégia está em capturar várias combinações de códigos silenciosos entre os dois, impregnando o espectador com a ambigüidade na relação do casal. É importante salientar que sem a interpretação contida de Johansson e Firth Moça com Brinco de Pérola poderia resultar apenas numa moldura com uma bela fotografia que, inclusive, não cansa de explorar, com um olhar apaixonado, a pureza no rosto da protagonista.

Quem viu Beleza Roubada (1996) e Assédio (1998) lembra que Bernardo Bertolucci é um cineasta que constantemente tem dado exemplos inspirados de obras fixadas ao encantamento das mulheres e na sua capacidade fatal em desestruturar homens maduros. Com Moça com Brinco de Pérola, Webber entrar para esse time, mas vai além e acrescenta ao seu trabalho uma fluidez quando conduz sua narrativa, recheada de sugestões sensuais que nunca atingem a sexualida em sua concretude. Webber também oferece uma galhardia visual, auxiliado pela fotografia de Serra, seguindo cuidadosamente a estética que marcou a obra do artista holandês Vermmer.

Neste quesito, não é audacioso afirmar que qualquer um terá os olhos magnetizados pelo trabalho desenvolvido pelo fotógrafo para conseguir recriar a mesma atmosfera moldada com sombras e luz que predominava nas pinturas do holandês. O filme é um presente para a atriz Johansson, tão docemente captada; e para o público, que irá entender o real significado de um lábio umedecido.

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