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Festivais

18o CineCeará (2008) – 7a noite

Os Desafinados tem première nacional em Fortaleza

Por Luiz Joaquim | 17.04.2008 (quinta-feira)

FORTALEZA (CE) – Quarta-feira, última noite da mostra competitiva de longas-metragens do 18o CineCeará, e o Cine São Luiz abrigava, sob seu habitual mormaço, uma das maiores platéias dessa edição. Os nomes de Rodrigo Santoro e Selton Mello no cartaz de “Os Desafinados”, filme de Walter Lima Jr., que teve sua première nacional nesta cidade, certamente funcionou como um apelo junto ao público local.

Para a crítica, a expectativa era outra. Este projeto de Walter ficou conhecido pelo demora de sua conclusão. A história dos músicos amigos que se unem para formar o grupo “Os Desafinados” nos anos 1960, 70, perpassando pela turbulência política e efervercência da Bossa Nova, foi filmada em 2005 e, apesar de já ter participado do Festival de Guadalajara (México, e lá ter vencido como melhor fotografia), só agora teve sua primeira projeção pública no Brasil.

Como bem disse o produtor Flávio Tambellini, na entrevista coletiva agora há pouco, o cinema do Walter é de “memórias afetivas” pessoais. E não seria exagero dizer que aqui temos seu mais explícito trabalho nesses termos.

O próprio nome dos personagens, celebra a memória dos parceiros de Walter na época do cinema novo. Santoro faz Joaquim (em referência a Joaquim Pedro de Andradre), Andre Moraes é o PC (Paulo César Saraceni), Jair Oliveira é o Geraldo (Pereira, músico do período), Ângelo Paes Leme é David (Neves) e Cláudia Abreu vive Glória, musicista brasileira que vive em NY e vira a cabeça de Joaquim quando seu grupo vai para lá tentar a sorte.

Sobre esta última, Walter Lima confidenciou que uma das referências para sua composição era a de uma amiga, Letícia, que residia lá nos EUA naquele período, “mas também vem de uma música do Tom Jobim, na qual começa dizendo ‘Let me introduce you Glória’ (frase que está no filme). Pode simplesmente também ser a Glória de estar vivo”, lembrou o diretor. Uma das cenas mais ousadas da carreira da Cláudia Abreu, na qual afronta Joaquim tomando banho pelada no meio da sala de estar, vem de um episódio real com a tal Letícia.

Walter Lima fez questão de salientar que não fez um filme sobre a Bossa Nova, embora ela esteja presente o tempo todo ali. Seria mais uma representação pela música – e pelo cinema também através de Dico (em memória a uma determinante, mas discreta, figura para o Cinema Novo) interpretado por Selton Mello – e sua relação com a ansiedade criativa e a repressão que se instalava não só no Brasil, mas espalhado pela América Latina.

Ilustração concreta disso está na viagem feita por Joaquim a Buenos Aires com seu grupo, onde lá é violentamente seqüestrado pela repressão. “Eu queria de alguma forma chamar a atenção para aquele fato de 1976, até hoje sem solução, do sumiço do Tenório Jr., músico que só gravou um disco, mas chegou a ir a Argentina para se apresentar com Vinícius, Toquinho e Maria Creuza”, explicou Walter.

Outra referência, esta ao cinema, diz respeito às filmagens de “Bala Certeira”, produção que vemos Dico rodar dentro de “Os Desafinados”. Na realidade, “Bala Certeira, Corpo Fechado” era um rascunho de um filme nos padrões estéticos do Cinema Novo que Walter nunca fez e aproveitou para brincar aqui, usando como fotógrafo o mestre Dib Lufti, figura mitológica na fotografia do Cinema Novo. Há uma menção velada a “Barravento” (1962), de Glauber Rocha, que saiu do Brasil ilegalmente e acabou por vencer um prêmio no Festival de Moscóu, assim como o “Bala Certeira” de Dico em “Os Desafinados”.

Entre os méritos deste novo Walter Lima está a acuidade musical na trilha sonora (Wagner Tiso, antigo parceiro de Lima Jr.) e incidental. Repleta de alguns clássico da Bossa Nova, traz também algumas composições inéditas, feitas em parceria entre Lima Jr. e Jair Oliveira, como a canção “Seria Bom”.

Ainda no campo da trilha, merece também destaque a fusão melódica tocada por Santoro ao piano com Choppin e “Insensatez”, ou ainda “Só Danço Samba” mesclada com Duke Ellington. “Ao mostrarmos isso, estamos quase dando uma lição das origens da Bossa Nova”, lembrou Lima Jr. durante a coletiva.

“Os Desafinados”, o filme, estréia no circuito comercial em agosto, distribuído pela Downtown Filmes. A julgar pelos aplausos e urros calorosos do público de Fortaleza (as mais potentes desde a abertura do evento), a obra pode funcionar bem no circuito comercial.

*O repórter viajou a convite do CineCeará

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