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Festivais

12º Cine-PE (2008) – noite 6 (curtas e longas)

Polêmica sobre roteiros e a seca com olhar fraterno

Por Luiz Joaquim | 04.05.2008 (domingo)

Ontem (sábado, 3), última noite da mostra competitiva do 12ª Cine-PE, não havia mais curtas-metragens digitais na grade da programação. A seleção enxuta de três trabalhos em 35 mm agradou a todos, reforçando ainda mais o consenso de que a seleção desse formato superou, e muito, a escalação dos longas-metragens em competição oficial.

Abrindo a noite, a animação “Dossiê Rê Bordosâ”, de César Cabral, brincou (com profissionalismo) ali pelas fronteiras das linguagens do documentário, da ficção e própria animação. No entrevista coletiva, hoje pela manhã, até surgiu inclusive a lembrança de que este trabalho, que apresenta com humor o contexto da morte de Rê Bordosa – famoso personagem do cartunista Angeli nos anos 1980 – conseguiu ser selecionado (e premiado) na última edição do festival É Tudo Verdade.

O único curta mineiro no Cine-PE 2008 apresentou-se na seqüência. “Os Filmes que Não Fiz”, de Gilberto Scarpa, conquistou a todos pela despretensão e ótimo humor, ao apresentar a história da própria Scarpa, como um cineasta frustrado, com vários projetos cinematográficos incompletos (como “O Tradutor”, “Maria, A Louca da Padaria”, ou “Zelvis”), os quais assistimos alguns trechos em “Os Filmes que Não Fiz”.

Grande mérito (entre vários) neste trabalho de Scarpa é tornar seu filme acessível também para uma platéia não-íntima dos meandros na confecção de um filme. Diálogo com o público recifense foi perfeito.

“Café com Leite”, do paulista Daniel Ribeiro, já começa com dois homens na cama. Perfeito como o anúncio de que a questão problemática aqui não será a do homossexualismo. Será sim a de uma mudança na vida de dois irmãos por conta da ausência dos pais. Em entrevista, Ribeiro disse que espera que daqui a 20 anos essa questão gay do filme seja visto como boba e que, exatamente pelo foco não ser gay, ele nem tem sido convidado para festivais do gênero.

LONGAS – O filme “O Retorno”, do veterano Rodolfo Nanni, 83 anos, provocou controvérsias no Cine-PE. Durante entrevista coletiva na manhã de hoje, um jornalista colocou para o realizador o problema de seu documentário vir com alguns conflitos no discurso. Isso porque Nanni anuncia, logo na abertura, a imobilidade social e política no sertão e agreste nordestino, ao mesmo tempo em que, ao longo do filme, vão sendo apresentados, pelos próprios personagens, algumas evoluções naturais dentro do período de 50 anos.

Esse espaço temporal foi delimitado pelo Nanni a partir de seu filme “O Drama das Secas” rodado em 1958, do qual ele aproveita trechos para pontuar a narrativa da nova obra. O projeto original vislumbrava a participação de outros cineastas famosos no mundo, que teria gente, por exemplo, como Roberto Rosselini, que veio ao Recife na década de 1950, e sendo o Nanni o cineasta brasileiro a participar do projeto, convidado pelo humanista Josué de Castro, a quem conheceu no Festival de Veneza de 1953, quando viajou com seu filme “O Saci” – o primeiro longa-metragem brasileiro direcionado às crianças.

Independente de conflitos ou não no discurso de seu documentário, Nanni conseguiu com “O Retorno” jogar uma nova luz sobre o cansado tema ‘seca nordestina’. Luz, a propósito, captadas pelas lentes de Roberto Santos Filhos, o Tuta, também responsável pela fotografia de “Guia Sentimental…”, de Leo Falcão.

Há uma delicadeza autêntica do próprio cineasta que transparece nas entrevistas vistas no filme. Num tom quase fraternal, Nanni conversa com seus personagens que convida o espectador a não só se condoer com a miséria dos entrevistados, mas também a sorrir com a sua simpatia, simplicidade e crença na vida.

Um foco de atenção está na trilha sonora trabalhada por Ana Maria Kieffer, cantora lírica respeitada e esposa de Nanni, que fez uma composição calcada em melodias que remetem antigas, de origem ibérica, em comunhão com cantigas nordestinas como a cantiga da Fonte do Salguerinho ou a da Senhora de Santana, além da cantiga de ninar. Esta última, disse Kieffer, “é quase como (uma trilha para) um batismo”. Cogitou-se em debate hoje pela manhã, em lançar a trilha antes do longa-metragem, contratado com a Pandora Filmes, do André Sturm, que também distribuirá “Ouro Negro” e “Simples Mortais”.

Por fim, “Nossa Vida Não Cabe num Opala”, de Reinado Pinheiro, também agradou o público do Cine-PE (nada difícil de fazer), e teve o foco da entrevista coletiva de hoje concentrado em cima da polêmica surgida pelo Mário Bortolotto, autor do texto original (uma peça teatral) e de um primeiro roteiro para o filme, adaptado posteriormente por Di Moretti.

Em linha gerais, Bortolotto diz no blog (http://atirenodramaturgo.zip.net) que o filme ficou bom graças aos cortes feito na edição, tirando o que há de pieguas no tratamento do Di Moretti. Na coletiva, Di foi cristalino ao dizer que nunca teve contato com o Bortolotto, embora isso pudesse ser construtivo para seu trabalho, assim como foi com a adaptação do “Latitude Zero”, de Tony Venturi.

Na verdade, Reinaldo Pinheiro intermediou tudo. “Tive de tomar o partido de dizer que o filme iria ser feito com um novo roteiro, senão a coisa não andava”, comentou. Já o Di Moretti lamentou a postura do Bortolotto lembrando que “o direito de não gostar do roteiro de um filme é de todos, mas não gostar de mim não seria correto, principalmente se a pessoa não me conhece”, encerrou.

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