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Entrevistas

Entrevista: Júlia Murat

Júlia: Eu queria a repetição do cotidiano

Por Luiz Joaquim | 13.08.2012 (segunda-feira)

Julia já não é mais apenas a filha da experiente cineasta Lúcia Murat. Depois de uma carreira com mais de uma década como assistente de produção/direção e dirigindo documentários, ela hoje é também reconhecida como uma ótima diretora de ficção. Celebrada em mais de 50 festivais pelo seu primeiro longa-metragem nesse gênero – “Histórias que Só Existem Quando Lembradas” (em cartaz no Cinema da Fundação), Júlia conta abaixo como foi o trajeto de mais de 11 anos entre a concepção da idéia para o filme e seu premiere, em alto estilo, no Festival de Veneza em 2011. Fala da sintonia com sua equipe, das opções pela locações, de suas influência pelo realismo mágico e de um novo projeto já em desenvolvimento.

Pode falar sobre a origem da ideia para o filme? Em 1999 você foi assistente de direção do “Brava Gente Brasileira” (filme de sua mãe, Lúcia Murat), e ali você encontrou um cemitério fechado, foi assim?
Sim era numa pequena vila, Forte Coimbra. Essa situação obrigava que os moradores fossem enterrados na cidade vizinha, que levava sete horas de barco para chegar. Mas num primeiro momento me chamava a atenção o absurdo de existir um cemitério fechado. Era a impossiblidade da morte. O que pensei foi que queria contar uma história sobre uma senhora que não se permitia morrer, porque queria ser enterrada em sua terra. E depois o trabalho foi ganhando contorno sobre realismo mágico, daí passei a ter vontade de falar de um grupo que não queria morrer.

Nesse sentido, é muito bom como o filme consegue ser concreto nas circunstâncias que expõe e ao mesmo tempo funciona dentro de uma atmosfera de fábula. Pode falar sobre essa ligação com o realismo mágico?
Sim, me interessa esse tipo de narrativa. Na verdade, acho que durante o processo de sua construção, o filme foi se desligando disso. No roteiro até havia mais magia. Mas o cotidiando foi ganhando mais força no enredo. Acho que em relação a isso, dois filmes foram importantes pra mim durante esse processo em que eu precisava equilibrar os dois universos de forma interessante. Um foi “Depois da Vida” (1998), de Hirokazu Koreeda, e “Em Busca da Vida” (2006), de Zhang Ke Jia.

Quantos tratamentos até o roteiro estar “pronto” para as filmagens?
Ah, [risos] 11 anos. Nem sei. A cada vez que ia lá no meu computador, mexia um pouco e salvava o arquivo do roteiro com outro nome. Se for ver quantos arquivos tenho com nomes diferentes para o roteiro [risos]. Mas, sério, até 2004 era uma coisa mais de imaginar a ideia. Até ali, não sentei e escrevi a história, mas apenas coisas pontuais e sobre o cotidiano dos personagens. A partir do final de 2004 é que comecei a escrever realmente o roteiro. Foi um trabalho de muita eloboração e tempo.

O que foi definitivo para o município de Sebastião de Lacerda ser escolhida como locação ?
Na verdade os municípios eram Vassouras e Barra do Piraí [ambos no RJ]. Desde o início localizei a historia no Vale do Paraíba. Meu pai vem de lá, eu passava as férias e uma parte da infancia por lá. Tem também essa história de que ali já foi um lugar rico e hoje anda abandonado. Ainda tem essa relação entre o velho e o novo. Há um cotidiano repetitivo onde quase não se vê jovens e crianças. Procurava esse tipo de situação. Depos, fui a região e filmamos 100 horas de material que virou o filme “Dia dos Pais” (com Leo Bittencourt), que exibiu no [Festival] “É Tudo Verdade”, em 2007. Uma vez terminado esse documentário. Voltei ao material bruto e anotei os diálogos dos entrevistados. Trouxe eles muito para o roteiro de “Histórias que Sò Existem…” e aproveite bastante para o personagem de Rita.

Que tipo de constribuição Lúcio Bonelli, o diretor de fotografia, trouxe para o filme? Como eram suas conversas para chegar naquele atmosfera que o filme apresenta?
Ele foi muito generoso. A equipe era formada por amigos meus. Pessoas que confio e que já tinha um trabalho interessante no passado mas, na sua maioria, não relacionado com cinema. Não são pessoa de mercado. Na direção de arte, por exemplo, estava Marina [Kosoviskta] que é uma artista plástica e nunca tinha entrado num set de filmagem. Já o Lúcio, sua participação tem um outro lugar. Ele já tinha fotografado 15 longas-metragens e sido assistente de fotografia de outros 40. Seria facil para ele assumir uma posição de conhecedor, mas ele entrou na lógica do filme. Uma lógica que já estava traçada, e acabou descobrindo tudo com a gente. Ele entendeu o sentido da estética que queríamos e já estava definido. Como, por exemplo, o que pensamos para as tomadas de Madalena, sem perspectiva e em planos abertos, mais parados. Enquanto os de Rita em planos com movimentos, mais fechados.

Me pergunto sobre, durante a montagem, o trabalho para ser chegar no equilíbrio do ritmo para essa narrativa, cujo tempo é quase um personagem também. Como foi esse trabalho na edição?
Isso foi bem difícil mesmo, a Marina [Meliande, montadora] leu o roteiro mas só entrou no processo depois de tudo filmado. Tivemos dois principais trabalhos. O de apuração das cenas, pois havia muita conversa filmada entre os personagens. Depois que a personagem de Rita chega ao povoado, todo mundo falava muito. Aqui, personagens paralelos haviam ganhado muito mais espaço. Dessa forma, tinha um desnivelamento maior da dramaturgia. Tinhamos de limpar isso. E fomos equilibrando o filme até que ele foi ficando mais silencioso. A outra coisa era a questão da repetição. Isso deu o maior trabalho na montagem. Todos para quem eu mostrava a ideia da repetição do cotidiano reclamavam disso. Tinha quem dissesse que o filme devia “entrar” na cidade pelo personagem de Rita. Tinha quem dissesse que as situações do cotidiano da cidade deveria ser mostrado apenas uma vez e assim aquele ritmo já estaria definido… Mas sabíamos como queríamos construir esse ritmo. Junto com Marina na edição conversamos bastante sobre até quanto poderíamos forçar essas repetições de situações.

Quantos prêmios o filme já conquistou?
Foram 28 prêmios. Foram mais de 50 festivais. Fizemos, de cara, Veneza [o primeiro festival], Toronto, San Sebastian e Festival do Rio. No Brasil esteve tambem na Mostra de SP e no Janela [Internacional de Cinema do Recife].

Este sucesso todo está ajudando no próximo projeto? E qual é esse projeto?
Acho que ajuda sim. Afinal, já ganhamos um prêmio para o desenvolvimento de roteiro do novo projeto. Deve ter a ver com o fato de o “Histórias…” ser bem aceito. Demoramos nove anos pra conseguir algum recurso para ele. Já o novo projeto chama-se “Pendular”. Escrevo com Matias Mariane. É sobre uma dançarina e um escultor. Existe uma relação amorosa no espaço onde convivem, que é o ateliê e casa deles. A história vai falar de espaco, do corpo, de escultura, movimento e equilibrio. E vamos criar uma narrativa para essas relações.

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