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Críticas

Tangerine & A Garota Dinamarquesa

Lili Elbe VS Sin-Dee Rella

Por Luiz Joaquim | 11.02.2016 (quinta-feira)

Numa dessas raras coincidências – não foi uma articulação pensada, posso garantir – o Recife vê a estreia hoje (11) de dois filmes que não poderiam ser tão próximos e tão distantes ao mesmo tempo.

Um chama-se A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl, GB/EUA/Bel.,/Din./Ale., 2015), dirigido pelo inglês Tom Hooper e que concorre a quatro estatuetas do Oscar em pouco mais de duas semanas. E o outro é a modesta produção norte-americana Tangerine (EUA, 2015), dirigido por um aqui no Brasil desconhecido Sean Baker, mas que começa a ganhar reconhecimento mundial depois que este seu 4ª longa-metragem foi destaque no Festival Sundance (EUA) de 2015. A mesma edição que abriu o mundo para Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert.

O que há de aproximação entre os dois filmes está apenas no tópico homossexualidade. E pára por aí; postos um ao lado do outro, só reforçam o que há de arcaico em um e de moderno no outro na abordagem de questões em comum.

Mas o que distancia um do outro não é apenas os já tão comentados investimentos financeiros. A saber: a Dinamarquesa custou US$ 25 milhões. Tangerine foi inteiramente gravado com três aparelhos celular iPhone 5s. E, destaque-se, o grau de sofisticação e inteligência cinematográfica aqui é inversamente proporcional ao investimento empreendido em cada um dos filmes.

Se há uma coerência nesta situação está apenas no fato de que, o que há de novo na estratégia de Baker em como realizar Tangerine também se apresenta com frescor na dinâmica narrativa e na abordagem que ele traz para seu filme. E, o que há de velho no modo de estruturar aDinamarquesa de Hooper, há de velho também em seu enredo e na sua proposta de estratégia dramática, incluindo suas diversas opções técnicas (trilha sonora, fotografia, etc.)

Em A Garota Dinamarquesa, baseado no livro David Ebershoff sobre Lili Elbe (1882-1931) – aquela que é uma das primeiras pessoas no mundo que foi identificada por ter se submetido a cirurgia de mudança de sexo -, conta como o casado e bem sucedido artista plástico dinamarquês Einer Wergener (Eddie Redmayne, digno aqui) foi aos poucos percebendo a verdadeira natureza de seu corpo e o caminho que decidiu tomar. Tudo com o suporte de sua esposa Gerda (Alicia Vikander); até chegar a realizar a impensável, no ano de 1930, cirurgia para retirar sua genitália masculina e no lugar modelar um canal vaginal.

Mesmo com um mote riquíssimo em dramaturgia, Hooper conseguiu criar aqui um filme cansativo, embolorado, no qual se vê claramente o esforço de Redmayne em manter a dignidade de seu personagem de pé numa luta desigual contra o filme que insiste em açucarar um tanto acima do suportável – por 119 minutos – os conflitos da pobre Lili.

Tangerine, por sua vez, captura o espectador já nos cinco minutos iniciais. Transporta imediatamente a platéia para o drama da travesti profissional do sexo, Sin-Dee Rella (Kitana Kiki Rodriguez).

É véspera de Natal e Sin-Dee acabou de sair de uma temporada de 28 dias na prisão. No primeiro bate-papo com sua melhor amiga Alexandra (Mya Taylor), descobre que seu cafetão-namorado (James Ransone) lhe foi infiel com uma mulher (Mickey O’Hagan).

Decidida a esclarecer o boato, Sin-Dee sai em busca da verdade pelo submundo de Los Angeles, enquanto Alexandra tenta se preparar para a grande performance musical, que tanta aguardou, para aquela noite. Há ainda espaço para o drama de um casado taxista (Karren Karagulian) que é apaixonado por Sin-Dee.

Dinâmico como poucos filmes atuais, seja na beleza das imagens ou no ritmo da montagem com boa trilha sonora (eletrônica) que enreda a busca de Sin-Dee pelas ruas de Los Angeles, Tangerine está, é verdade, um degrau além de questões homossexuais.

Aqui a homossexualidade não é uma problema – apesar de tensões assim estarem presentes no filme quando, por exemplo, sabemos que a grande indignação de Sin-Dee reside no fato de seu namorado estar traindo-a por uma “racha”; ou que clientes a humilhem na rua lhe jogando urina no rosto; ou mesmo quando o taxista rejeita uma prostituta ao descobrir que ela é mulher, quando ele achava que seria um travesti.

E mesmo com o constante humor pelo natural modo exagerado das protagonistas, Tangerine consegue nos colocar dentro do sutil drama de Sin-Dee. Não se engane, o filme tem como tema principal a amizade. Ela está sobrevoando toda sua extensão (a do filme) e floresce com potência máxima no seu desfecho.

Floresce por meio de uma atitude simples, mas gigante, e que dimensiona a amizade de Sin-Dee e Alexandra num nível que, talvez, muito poucos homens heterossexuais consigam alcançar.

A Garota Dinamarquesa – 4 indicações ao Oscar 2016
– Ator – Eddie Redmayne
– Atriz – Alicia Vikander
– Figurino
– Direção de arte

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