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Festivais

26º Cine Ceará (2016) – noite 4

Aula da incómoda história do Brasil. Obras da noite 4 apontaram para as várias mazelas do País.

Por Luiz Joaquim | 11.07.2016 (segunda-feira)

20-jun-2016 (segunda-feira)

LUIZ JOAQUIM*

FORTALEZA (CE) – O Cine Ceará: Festival Ibero-americano de Cinema já gozava de uma personalidade política muito forte, e esta 26a edição, nas projeções da mostra competitiva de seu 4o dia (domingo, 19) ilustrou esse perfil de maneira muito forte (e bonita) através dos filmes selecionados.

A começar pela experiência excepcional proporcionada pelo curta pernambucano dirigido Caio Zatti e Luís Henrique Leal, Fotograma, que apresenta-se como um trabalho de elaboração estética e conceitual bastante sofisticado. Seu ponto de partida está na ideia que se constrói de uma imagem, sendo ela (a imagem) presente ou ausente e, a partir dela, sermos instigados a refletir sobre as implicâncias de sua significação.

Há um discurso em off guiando a linha discursiva do filme e esse off casa com o fluxo de uma repetida e redimensionada imagem construindo uma compreensão de sentidos a cada revisão. Por essa estrutura, Caio e Luís Henrique conseguem ressaltar questões sociais que uma imagem pode revelar ou esconder.

Elas (as imagens) vêm, aos poucos, ganhando mais espaço no filme com fotografias de arquivo contextualizando uma realidade de dominação e medo do passado que permanece hoje. Com um brecha num território entre essas imagens onde a liberdade pode se expressar. Mas uma liberdade de forma, infelizmente, muito fugaz e passageira.

Pelo curta Índios no poder, o diretor Rodrigo Arajeju resgata a imagem do primeiro deputado índio, Mário Juruna (1943-2002), para ressaltar que nenhum índio conseguiu se eleger novamente para congresso após nossa mais recente Constituinte (1988). Toma como exemplo a campanha de 2014 do cacique LádioVeron, sem recursos e massacrada pela Bancada Ruralista interessada nos milionário agronegócios e usando a PEC-215 para lhes favorecerem e mantendo os índios sem as terras que lhes pertencem.

Sem audácia na sua construção estética, o curta de Arajeju é apenas correto nesse aspecto, mas é também de uma sedução arrebatadora que se mostra potente particularmente em função de sua temática emergencial.

O longa-metragem competitivo da noite – Menino 23 – já estreia no circuito exibidor sudestino dia 7 de julho. Aqui temos um meticuloso e muito bem desenvolvido trabalho de adaptação feito pelo diretor Belisario Franca a partir da tese de doutorado do professor Sidney Aguilar Filho.

O ponto de partida da investigação científica é combinação da informação de que, nos anos 1930, 50 meninos negros pequenos foram levados, por uma família influente, do orfanato Romão Duarte (conhecido como “Casa da Roda”) no Rio de Janeiro, para uma fazenda em Campina do Monte Alegre, interior de São Paulo.

Nos dias de hoje, uma outra informação aterradora revela que uma construção naquela localidade foi levantada com tijolos marcados com a suástica nazista. Que ligação fará um fato vincular-se ao outro?

Entremeado com entrevistas feitas com dois sobreviventes, quase nonagenários, daquele grupo de crianças do orfanato – Seu Aloísio Silvia (o menino 23) e Seu Argemiro Santos -, o documentário desvela, ao final, uma prática tida como comum e natural no Brasil dos anos 1930 de uma prática e interesse pela eugenia, ou seja, o interesse pela criação da raça pura, nos mesmos moldes da cultura nazi-fascista.

Alicerçado por uma riquíssima pesquisa do professor Sidney, aqui no filme também como narrador – e também apoiado em excelente material de imagens de arquivos para contextualizar visualmente a lógica da sociedade naquela época -, a produção só parece destoar por um aspecto narrativo.

Este aspecto está marcado quando Belisario dá certo destaque ao que ele mesmo chama em seu filme da “criação da atmosfera” do que os meninos passaram naqueles tempos. Falamos de uma dramatização com crianças em cenas que já reforçam em imagens esteticamente marcadas para cada história já contada muito bem pela oralidade dos entrevistados, mostrada pela pesquisa de Sidney ou pela imagens de arquivo.

*Viagem a convite do festival

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