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Críticas

Campo do Medo

Tensões (e distensões) irregulares no meio do mato

Por Felipe Berardo | 11.10.2019 (sexta-feira)

A mais nova adição à crescente lista de adaptações de contos do escritor de terror, Stephen King, chama-se Campo do medo (In the tall grass, EUA, 2019), embora aqui a história tenha sido co-escrita junto a seu filho, Joe Hill, escritor talentoso em seu próprio direito.

O filme que é uma produção original Netflix, disponível na plataforma de streaming desde a última sexta-feira, traz o cineasta ítalo-americano Vincenzo Natali (Cubo; Splice – A nova espécie) como roteirista e diretor, trazendo-o de volta ao formato de longas-metragem após um período longo dirigindo para televisão em séries como Westworld e Deuses americanos.

A escolha do cineasta parece fazer sentido desde o primeiro plano do filme, uma imagem aérea de um matagal alto sendo movido pelo vento, que torna-se desconfortante e ameaçador pela trilha sonora influenciada por John Carpenter. Após essa promessa sensorial de perigo, no entanto, nos voltamos para a trama inicial do longa que trata da irmã e irmão, Becky (Laysla de Oliveira) e Cal (Avery Whitted), numa viagem pelos Estados Unidos com um propósito desconhecido, mas ligado de alguma forma à gravidez da garota. 

Chama atenção, desde o começo, o desejo da câmera em capturar detalhes reais e físicos como um hambúrguer causador de enjoo na grávida ou o resto de vômito preso ao lado da boca dessa como consequência do nojo. E é na parada no caminho, advinda desse enjoo, que ambos escutam os gritos de um menino pedindo por ajuda dentro do matagal. É, então, ao decidir entrar para resgatar a criança que ficam presos dentro da vegetação e têm seus destinos selados até as cenas finais do filme.

A maior parte do filme se passa dentro desse matagal alto, como sugere o título original do conto, e é muito boa a construção de claustrofobia no meio daquele mato, sempre idêntico com suas grandes folhas caídas parecendo foices, ao mesmo tempo que também constrói-se aquele lugar como espaço geográfico com detalhes físicos, a partir de marcos concretos como lamaçais, clareiras, o sol,  corpos deteriorando-se e , acima de tudo, uma grande pedra negra que aparenta como um monolito. Esse último elemento, em específico, é o primeiro a revelar uma das muitas reviravoltas do roteiro que é a presença inegável do sobrenatural e do metafísico como regente daquele local, engolindo o espaço físico criado inicialmente e atribuindo-o de uma nova lógica própria, de onde não há escapatória se não pela aceitação desse sobrenatural.

Acompanhando cada uma das várias reviravoltas do roteiro está a direção de arte comandada pelo artista, Shintaro Kago, reconhecido quadrinista japonês de terror gore, porém iniciante no cinema, que traz novas ideias imagéticas bizarras para cada sessão proposta pelo filme. Espalhados por sua duração de 101 minutos podem ser vistas pessoas sujas e suadas, quase zumbificadas pela insolação; homens monstruosos formados por plantas; uma imensa vala de corpos vivos em agonia e explosões de cores e objetos digitais espalhando-se pelo quadro em delírios, para citar algumas dessas imagens, que, se não conseguem manter uma unidade dramática entre si, ao menos capturam uma plasticidade interessante nesses momentos pontuais de desvios do comum. 

Essa culpa por uma falta de funcionalidade dramática, no entanto, deve-se ao roteiro, mais especificamente à estrutura adotada por esse, que mesmo periodicamente abrindo espaço para esses desvios e possibilidades inesperadas, também cria uma lógica repetitiva que muitas vezes ameaça perder o interesse do público devido aos conflitos e pontuações dramáticas genéricas trazidas pelo texto como principal ponto de foco. Na verdade, até essas imagens desviantes do comum parecem surgir não de uma originalidade, mas sim de aparentes influências diretas interessantes como Junji Ito, Gaspar Noé, Darren Arronofsky e filmes como Abismo do medo, Silent hill e Suspiria. Consequentemente, então, acabam chamando atenção pela força das ideias presentes, mas não deixam de ser variações de ideias também já existentes, mesmo que não tão amplamente exploradas na cultura mainstream que já tenham tornado-se clichês do gênero. 

Ao final de tudo, mesmo com o determinismo proposto como lógica vigente no destino de todos e com o aterrorizante espaço metafísico que revela-se maior que a individualidade de todos os personagens, flertando com o horror cósmico, há ainda espaço para redenção e sacrifícios heroicos finais. De forma que a maior qualidade do filme, em sua lógica aterrorizante, perca espaço e tenha sua força sabotada, mais uma vez, em seus momentos finais pelos fracos conflitos dramáticos advindos dos traumas dos personagens. O campo é caminho sem volta apenas para alguns.

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