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Festivais

9. Janela (2016) – Câmara de Espelhos

Quando o filme evoca no espectador um reflexo (feio) do próprio tema que condena.

Por Juliana Soares Lima | 01.11.2016 (terça-feira)

Inquietante, de forma excepcional, a noite da segunda-feira (31/10) no Cinema São Luiz (Recife). A combinação de Câmara de espelhos, de Déa Ferraz, e Elle, último filme de Paul Verhoeven – exibidos dentro da programação do 9º Janela Internacional de Cinema do Recife – e um dos candidatos à Palma de Ouro esse ano em Cannes, evidenciou uma conexão forte entre dois filmes extremamente perturbadores, cada um à sua maneira, e potencializou as reações do público nas duas sessões lotadas do festival.

A ocasião da exibição de Câmara de espelhos também serviu para abrigar o momento mais bonito do festival até então: Déa Ferraz chamou ao palco todas as mulheres inseridas no mercado do Audiovisual presentes na sessão, num gesto para chamar a atenção para mostrar que ausência de representatividade feminina dentro do cinema brasileiro não condiz com o número de profissionais mulheres em atividade.

Câmara de espelhos foi uma surpresa chocante. Um dispositivo simples: a dois grupos de homens são exibidas séries de vídeos separados por temas que deixam evidenciar como a mulher é subjugada dentro das relações sociais ao longo da história. Humor, casamento, divisão social do trabalho, liberdade sexual e violência contra a mulher são discutidos pelos grupos enquanto câmeras e microfones acompanham o debate. A dinâmica é muito simples, mas o discurso masculino que emerge dessas imagens é extremamente urgente.

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Na foto divulgação de Victor Jucá, Déa Ferraz e Luís Fernando Moura (curador Janela)

Para além dos absurdos proferidos ao longo dos atordoantes 77 minutos de filme, cuja descrição é previsível e desnecessária, um outro fator consegue ser mais intrigante: as risadas constantes do público. Como espectadora, ao longo da sessão, tentamos nos convencer de que o riso seria, ao menos, um riso nervoso de constrangimento e vergonha alheia, mas me parece muito mais que se trata de um riso de compactuação, de se enxergar na fala daqueles homens e de naturalizar tudo aquilo como parte de quem somos.  É surreal como quando colocadas diante das falas e posturas que algumas delas se dispõem a combater, a reação imediata das pessoas é tratá-las como humor.

Pode ser interessante pensar como a projeção do filme dentro de uma sala de cinema cria uma dupla câmara de espelhos. No filme, a câmara é rodeada por espelhos onde os homens se enxergam enquanto câmeras e microfones denunciam ao exterior o machismo em seus discursos. Paralelamente, na sala de cinema a tela de projeção funciona como um grande espelho onde o público se identifica e identifica o outro nas imagens ao mesmo tempo em que ela denuncia o preconceito e a violência exercidos por quem assiste a medida em que se deixa transparecer as reações diante do que é visto.

A importância da representatividade feminina, de mais mulheres ocupando o lugar da direção e de que mais filmes como Câmara de espelhos sejam feitos tenha ficado minimamente mais clara depois da experiência coletiva de ver-se e ver o outro projetado na tela de cinema na noite de ontem (31/10) no Cine São Luiz do Recife.

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