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Críticas

Círculo de fogo

A guerra de dois homens

Por Luiz Joaquim | 16.05.2018 (quarta-feira)

publicado originalmente em 6 de abril de 2001 no site Tô na boa.

O cenário é a Segunda Grande Guerra. O ano, mais precisamente, é 1942, em Stalingrando. Lá, uma localidade da antiga União Soviética, é onde se desenrola a ação de Círculo de Fogo (Enemy at The Gates, EUA, 2001) – filme dirigido por Jean-Jacques Annaud que estréia hoje (6.abr.2001) nos multiplex. Mas o cenário devastado da cidade soviética serve apenas como pano de fundo no qual o cineasta francês desenrola situações centradas em competição, amizade e lealdade.

O resultado moral da batalha em Stalingrado viria a ser decisivo para a história da URSS e de toda a 2° Grande Guerra. Apesar dos panos nas mangas para criar um estonteante longa de ação, Annaud preferiu usar a escala humana, e não a épica. E mesmo tendo coordenado belas cenas de guerra (se é que podemos chamá-las assim), com centenas de figurantes e uma produção que enche os olhos, o diretor optou por, quase alegoricamente, reduzir o conflito à dois homens.

Um deles é Vassili Zaitsev (Jude Law, Gattaca), um humilde jovem russo que vira herói do dia para a noite graças, em boa parte, a propaganda do oficial Danilov (Joseph Fiennes, Shakespeare Apaixonado). Danilov entende que o exército russo preciso de um ídolo que lhes dê motivação para continuar investindo contra os alemães – uma vez que os soldados de Hitler são em maior quantidade e bem melhor equipados. Testemunha ocular dos superpoderes de franco-atirador demonstrados por Vassili, o oficial começa a disseminar pela imprensa que a ‘salvação’ da mãe-Russia estava nas mãos, ou melhor, no gatilho de um rapaz humilde, quase analfabeto, vindo das montanhas de Ural, onde costumava caçar lobos com seu avô.

Retraídos pela primeira vez desde o início da Guerra., o exército alemão repensa a estratégia de invadir Stalingrado e chama o Major Koenig (Ed Harris, Os Eleitos). Ele é o mais exímio atirador de Hitler, que vem para matar a lenda Vassili. O diretor Annaud, com sua câmera enquadrando Harris de baixo para cima, o mostra, desde sua aparição e por toda participação no filme, como um gigante. A correta atuação do norte-americano também  não deixa espaço para enxerga-lo menor que um gigante.

Apesar da opção de mostrar os diálogos em inglês (os idiomas pátrios das duas nações são o alemão e o russo), e, vez por outra, estranharmos o ‘russo’ Jude Law apresentar trejeitos estritamente britânicos e o ‘alemão’ de Harris lembrar um californiano falando, a qualidade da mise en scène não é prejudicada.

Uma vez em que ambos estão no campo de batalha, com os objetivos claramente definidos, o filme vira um meticuloso jogo de gato e rato, com espaço para um romance entre Vassili e a soldada russa Tania (Rachel Weisz, A Múmia). A afeição dela pelo atirador russo também funciona para por em prova a admiração de Danilov por Vassili. O personagem de Fiennes é aqui o mais complexo, pois sua convicção pelo socialismo acaba sendo abalada pelo inveja que nasce contra seu amigo Vassili. Um herói que ele próprio ajudou a construir. Fiennes, entretanto, não sustenta a carga dramática, com equilíbrio.

Como um ‘filme de guerra’, o Círculo de Fogo funciona menos (mas bem) como um provedor de tensas cenas de batalhas; e mais, incisivamente, como um retrato de que na guerra a ideia de matar o inimigo não é algo tão abstrato assim. É sim, algo individual e  brutalmente calculado, cuja performance resultado em tirar uma vida humana em particular, ou simplesmente morrer.

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