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Críticas

Bendito Fruto

O humor nosso de cada dia é a essência do filme de Sérgio Goldenberg

Por Luiz Joaquim | 10.09.2018 (segunda-feira)

– publicado originalmente em 20 de Maio de 2005 no jornal Folha de Pernambuco

No 37° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o filme Bendito fruto, gerou uma boa polêmica entre a crítica especializada na ocasião em que deliberava pela escolha do melhor filme daquele evento. Enquanto uma facção defendia e queria celebrar a simplicidade competente desta ficção de estréia de Sérgio Goldenberg, outro grupo da crítica defendia fervorosamente o documentário Peões, de Eduardo Coutinho, como o único trabalho digno de levar um ‘prêmio da crítica’. Apesar de Peões ter ficado com o prêmio, houve, na realidade, um empate técnico que serviu, ao menos, para mensurar o quanto esta dividida a perspectiva dos jornalistas especializados a respeito do que merece, ou não, respaldo na atual produção nacional. 

Não que Peões devesse ser sacrificado em detrimento de Bendito fruto (e vice-versa), isso porque, para começo de conversa, a disputa entre um documentário e uma ficção é, em sua essencial, anormal. Mas foi lamentável que o filme de Goldenberg tenha sofrido acusações de “passageiro” e “simpático” por alguns críticos, ao contrário do filme poderoso que ele se revela nos vários vetores para onde se orienta. Com o filme nas salas de cinema, chegou a hora do público dar sua opinião.

É verdade que não cabe ao público (mas também não lhe é vetado) enxergar o que dignificaria Bendito fruto como uma bela e inspirada peça cinematográfica da atual produção brasileira. Talvez o que apareça de mais perceptível para a platéia seja o que está na superfície do filme. Ou seja, a identificação pelo humor no cotidiano a frente da história de amor entre dois adultos de meia-idade com cor e classe social diferentes.

Após esse olhar, se colocado sob um microscópio, o filme de Goldenberg poderá revelar bem mais que isso. Irá aparecer um roteiro envolvente e livre de panfletarismos e maniqueísmos. Irá surgir interpretações naturalistas, sugando o espectador para dentro da trama e provocando uma identificação imediata. E, o melhor, irá despontar uma crítica, quase-velada, sobre a linguagem das telenovelas que descaradamente, e cada vez mais, ganha as telas de cinema no Brasil.

O júri oficial do Festival de Brasília parece ter enxergado apenas os méritos dos intérpretes, concedendo Candangos só para a atriz principal, Zezeh Barbosa, e a coadjuvante, Lúcia Alves. É verdade que Bendito fruto funciona num nível de linguagem “comercial”, acessível para qualquer espectador. Mas não há (e nunca houve) nenhum problema nisso, desde que seja promovido um equilíbrio entre este diálogo universal e as propriedades gramaticais originais do cinema. O último filme de Elianne Caffe, Narradores de Javé, é uma produção recente que pode ser enquadrada nessa categoria.

Bendito fruto se passa no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, e leva à tela toda a ginga e gíria da classe média baixa suburbana carioca. É lá que conhecemos o salão “Antônio’s Tratamento de Cabelo” onde o proprietário Edgar (o sempre excelente Otávio Augusto) recebe a notícia que Virgínia (Vera Holtz) sua amiga de infância que estava na cidade em férias, sofreu um acidente quando o táxi onde se encontrava foi atingido pela tampa de um bueiro.

Atraído pela amiga, Edgar hospeda Virgínia em sua casa. O problema é que ele mantém, em segredo, uma relação amorosa com Maria (Barbosa, ótima) sua emprega doméstica, que fica furiosa com a presença da estranha. Paralelo a tudo isso, Goldenberg ainda desenha dramas e humores para as funcionárias do salão de beleza vividas por Lúcia Alves e Camila Pitanga. Sem falar no filho de Maria (a revelação Evandro Machado) e seu amigo, o ator de novelas Marcelo (Eduardo Moscovis).

Por fim, Bendito fruto funciona como um caleidoscópio que gira produzindo impressões sócio-culturais das mais variadas como só um povo miscigenado como o brasileiro pode gerar. Essas impressões ficam bem claras na capanga e nas camisas coloridas de Edgar, no pagode tocando no rádio, no velho aparelho de TV com defeito, na revista “Caras”, que mesmo sendo do mês passado interessa a todo mundo, ou do prazer simples de dançar em casa, enrolado numa toalha de banho, ao som de um vinil da trilha sonora internacional da novela “O espigão”, exibida pela Rede Globo em 1974. É o Brasil no cinema.

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