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Críticas

Cazuza – O Tempo Não Pára

Um Cazuza comportado.

Por Luiz Joaquim | 02.11.2018 (sexta-feira)

 publicado originalmente no jornal Folha de Pernambuco em 11 de Junho de 2004.

Não se admire se ao assistir a novela A cor do pecado, o menino Raí (Sérgio Malheiros) sair com essa pergunta: “Afonso, quem é Cazuza?”, e o avô (Lima Duarte) responder: “Ah Rai, o Cazuza foi um símbolo para a sua geração”. A conversa fez-se presente, em tons diferenciados, nesses seguimentos de entretenimento da Rede Globo, uma vez que o filme Cazuza – O tempo não pára, produto da Globo Filmes, estreou no país com quase 160 cópias na mesma época que a novela.

Para amenizar as repercussões que devem nascer no público por conta da fidelidade das informações (ou ausência delas) no filme, os diretores Sandra Werneck e Walter Carvalho fizeram questão de salientar, em uma entrevista, que o filme é apenas a reflexão, uma representação da vida do cantor e não um documentário. Verificando no que se transformou a “inspiração” cinematográfica a partir do livro Cazuza – Só as mães são felizes, de Lucinha Guerra, é seguro afirmar que a repercussão será inevitável, particularmente entre os contemporâneos do roqueiro. E eles não são poucos.

Depois de 12 versões, a assinatura final do roteiro tem os nomes de Fernando Bonassi e Victor Nava (responsáveis também por Carandiru). Não é o caso de criticar o roteiro da dupla pela picotagem de uma década da vida do ídolo na transposição para o cinema, mas sim pela fragilizada condução dos acontecimentos e condensação (e extirpação) de alguns personagens. Pessoas, diga-se, sentimentalmente vitais no desabrochar evolutivo do poeta Cazuza. Exemplo: o namorado Serginho (Eduardo Pires), as amigas Bebel Gilberto (Leandra Leal), Malu (Andréa Beltrão) e Denise Dummont (Débora Falabella). Todos passam pelo filme sem deixar nenhuma marca. Até mesmo os parceiros do Barão Vermelho não tem espaço para expressão, e seus perfis soam estereotipados.

Pouco espaço dentro do filme para expressão de uma figura tão marcante foi a resposta que o produtor Daniel Filho deu quando justificava a exclusão, na obra, do romance entre Cazuza e Ney Matogrosso (que seria vivido por Paulinho Moska). “Estaríamos registrando apenas uma parte deste romance, e correríamos o risco de transpô-lo incorretamente”, disse. Pelo filme, Cazuza nunca nem pronunciou o nome Ney Matogrosso. O único papel que saiu ileso foi o de Ezequiel Neves, o produtor de toda a vida do roqueiro. Defendido com paixão por Emílio Salles, o personagem só não é apagado pelo protagonista. Daniel de Oliveira é o dono do filme. Sua semelhança física com o músico (que nem é tão grande, e o final do filme prova isso) ganha corpo mesmo é pela caracterização que sofreu, e pela total imersão pela qual enveredou dentro dos trejeitos do cinebiografado.

Inserções políticas, como a morte de Tancredo Neves, e o episódio Rio-Centro, também soam despropositados e nada acrescentam ao filme, reforçando a ideia da fraca ambientação criado pelo roteiro. Mas se a balança pesa negativamente sobre a frágil adaptação (ou melhor “inspiração”) que é o roteiro, a fotografia pensada por Walter Carvalho e o trabalho hercúleo de Guto Graça Melo na direção musical dão o equilíbrio para manter o filme numa boa cotação com o público.

A filosofia por trás das imagens idealizadas por Walter (a câmera foi feita pelo filho, Lula Carvalho) encontra razão quando propõe que o conceito visual do filme se assemelhe ao audiovisual que era produzido nos anos 1980. No início, Walter pensou em usar o ektachrome, película da época (rara nos dias de hoje). A solução encontrada foi filmar tudo no formato Super-16mm. Na transferência para o 35mm, feita em laboratório, Walter “draculou” o negativo. Ou seja, ele “puxou” o contraste dando a granulação e a “sujeira” que intencionava. O resultado incomoda, num sentido bastante interessante.

Já a trilha sonora tem uma evolução própria dentro do filme. Guto Graça Melo permite o espectador escutar Daniel de Oliveira cantando nos shows do início do filme, e vai mesclando a voz do ator com a do cantor no decorrer da fita. O processo, com inserções microscópicas da voz de Cazuza (indo de suspiros à sílabas específicas) confunde a todos e reforça a credibilidade da brilhante atuação de Daniel de Oliveira. No fim, os fãs não conseguirão evitar de cantar Bete Balanço, Ideologia, Maior Abandonado, Preciso Dizer que Te Amo e O Tempo Não Pára. Mas é só isso.

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