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Críticas

Paixão Proibida

Não julgue pelo título.

Por Luiz Joaquim | 14.12.2018 (sexta-feira)

– Originalmente publicado no Jornal do Commercio em 18 de Setembro de 1999.

Quando concebeu, em 1831, a novela em versos Onegin, o russo Alexander Pushkin criou seu personagem Evgeny a imagem da aristocracia de São Petersburgo. Um ser enxertado de vaidade, cinismo e despeito que, na trama de Pushkin torna-se vítima da própria postura de indiferença para com o que a vida lhe oferece. Onegin viria a se tornar uma aclamada ópera de Tchaikovsky em 1879. Em 1999, virou filme nas mãos da diretora estreante Martha Fiennes, irmã de Ralph Fiennes que divide o protagonismo do longa com Liv Tyler. No Brasil, a produção ganhou o infeliz título de Paixão proibida (Onegin, Reino Unido).

Tratado com esmero e elegância em todos os detalhes técnicos, Paixão proibida revela-se uma cuidadosa reprodução visual (e quase psicológica) da sociedade russa no século 19, já tão explorada pela literatura (Tolstoy; Dostoyevsky). Uma sociedade que insistia em absorver os maneirismos da cultura francesa e sofria com isso. Essa negação contra si e contra a própria identidade causa a tragédia romântica que sucede a Evgney Onegin (Ralph Fiennes).

Cansado da vida cercada de soberba e tédio que levava na aristocracia, Onegin viaja ao interior para receber a gorda herança de um tio. Chegando lá, aproxima-se do nativo Lensky (Tob Stephens), que sonha em tornar-se um poeta ao mesmo tempo que nutre paixão por Olga (Lena Headay), sua provinciana noiva. Ao contrário de Olga, sua irmã Tatyana (Tyler) tem um espírito libertário e logo chama a atenção do sofisticado Onegin. Este percebe a simpatia da moça ao informar que pretende arrendar as terras do falecido tio para os próprios vassalos da mansão; um escândalo para a época.

Imaginativa e fiel ao arrepio da própria pele, Tatyana começa a demonstrar a Onegin suas intenções afetivas, mas tromba com a frieza do aristocrata. Muito embora ele revele paixão no primeiro contato visual com Tatyana, Onegin insiste no discurso “não sou homem feito para o amor ou casamento”, obedecendo sua formação alicerçada nas aparências. O filme dá uma reviravolta e, seis anos depois, as posições são trocadas mas a essência dos personagens é mantida. Tatyana continua sentido uma dor no peito quando chega perto de Onegin, e entende a razão disso. O aristocrata começa a sofrer do mesmo mal, mas já não domina a razão para controlar sua emoção.

Fiennes, sob a direção da irmã, talvez tenha exagerado na frieza do personagem resvalando na insipidez de sua própria interpretação. Apesar de trazer na bagagem criações honestas que convencem sofrendo elegantemente por amor (vide O paciente inglês, Oscar & Lucinda, Sunshine e Fim de caso), aqui ele descarta o que de melhor costuma dar às suas criaturas perturbadas de paixão: impetuosidade. Já Tyler consegue nos informar da gravidade de seu sentimento pelo silêncio e pela postura etérea que deposita em sua menina russa. Ganha ainda mais força com a graça e a moldura que lhe cai da direção de arte – que cuida com riqueza barroca da cenografia e locação.

Mas o grande mérito de Onegin é mesmo a requintada fotografia de Remi Adefarasin (que concorreu ao Oscar pelo seu trabalho em Elizabeth, de 1998). O sombrio tom que sua lente capta do ambiente cercando o aristocrata de Fiennes é o maior aliado do ator em cena. Adefarasin cria verdadeiros quadros de gênero, como as pinturas que o holandês Jan Vermeer fazia no século 17. Com parcas cores e delicados efeitos de luz, Adefarasin transforma composições visuais em suave poesia.

A maior prova que os atores perdem terreno para a imagem em Paixão proibida está na sequência em que os protagonistas travam o derradeiro e decisivo diálogo. A fotografia (luz para Tatyana, sombra pra Onegin), o cenário (ambiente amplo e imaculado, com o mínimo de mobília) e o figurino (branco para a integridade de Tatyana, preto para perturbação de Onegin) parecem dizer mais que os atores. É estranho, mas bonito de ver.

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