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Críticas

Bizarros Peixes das Fossas Abissais

Espírito livre e muito nonsense

Por Renato Felix | 27.01.2024 (sábado)

Os curtas animados dirigidos por Marão seguem uma estética livre em que personagens independem de cenários, vestígios de rascunhos se misturam a ilustrações elaboradas, o coloquial anda de braço dado com o caricatural e a narrativa de super-heróis encontra o drama familiar mais humano. Isso tudo também está em seu primeiro longa, Bizarros Peixes das Fossas Abissais, tão curioso quanto seu dramático título.

A história segue uma mulher e seu amigo nuvem buscando reunir cacos de um vaso, antes que rinocerontes alienígenas reúnam os pedaços primeiro. A dupla acaba virando um trio quando eles encontram uma tartaruga com TOC. Dublados por Natália Lage, Guilherme Briggs e Rodrigo Santoro, esses personagens seguem uma jornada por vários lugares e enfrentando várias aventuras. O insólito é quem dá as cartas, como colocar o astro Santoro na voz da minúscula tartaruga que luta com obstinação contra sua extrema limitação de velocidade para organizar como pode o caos do mundo.

Na animação, o nonsense da narrativa é delineado por um traço livre e criativo.

O filme não tem muitas amarras na narrativa, permitindo caprichar no nonsense. A mulher tem poderes estranhos como a bunda se transformar em um gorila, a nuvem tem “incontinência pluviométrica” e a tartaruga é obcecada por organização. Como esses poderes apareceram, de onde vêm a nuvem, a tartaruga e os rinocerontes extraterrestres, são questões pouco importantes diante dos arroubos visuais que expressam uma informalidade, uma despretensão e uma alegria própria da animação em estar ganhando vida na tela.

Estes são tempos em que os movimentos dos personagens são friamente calculados via CGI, com os longas se preocupando em reproduzir os gestos da vida real, e já vimos muitas produções com aquela animação limitada em que só uma parte do corpo ou a boca se mexe e todo o resto fica imóvel. Em ambos os casos, esses estilos renderam ao longo dos anos tanto exemplares que guardamos com carinho na memória quanto obras relapsas e preguiçosas. Em comum, no entanto, elas passam longe da elasticidade visual de – digamos – um Pernalonga ou um Bob Esponja. 

Na simplicidade de sua forma, ‘Bizarros Peixes das Fossas Abissais’ encontra uma personalidade própria, diferenciando-se dos estilos clássicos de animação, assim como das experiências modernas com CGI.

Neste ponto, Marcelo Marão e seus dois parceiros na animação do filme (Rosaria e Fernando Miller) jogam esses estilos para o alto e preferem uma animação rabiscada, cheia de “imperfeições” ou “mal acabadas”, mas em que podem movimentar completamente seus personagens. Às vezes sem cor, às vezes sem cenário, em outras indo do centro do Rio à castelos em ruínas na Sérvia ou às profundezas do oceano (as tais fossas abissais onde encontrarão peixes bizarros).

Essa recusa de Bizarros Peixes das Fossas Abissais em seguir um padrão mais realista do CGI, do estilo Disney ou a animação limitada da Hanna-Barbera ou da Filmation é um ponto de destaque. E soa muito natural, não como estratégia: reflete sobretudo o espírito do filme.

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