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Reportagens

Desaconselhável ou proibido?

Em 1999 havia (e há ainda) muita confusão sobre como se relacionar com a classificação indicativa.

Por Luiz Joaquim | 27.05.2020 (quarta-feira)

– originalmente publicado em 15 de julho de 1999 (quinta-feira) no Jornal do Commercio (Recife), capa do ‘Caderno C’

Era uma noite de domingo quando a jornalista Ludmila Portela resolveu levar seu filho Ugo, com 8 anos incompletos, para assistir ao filme A múmia, em cartaz nos complexos de cinema da cidade. Embora o indicativo de classificação etária do filme informasse que a película era inadequada para menores de 12 anos, Ludmila acreditava poder assumir a responsabilidade pelo o que o garoto iria assimilar do filme.

Ledo engano. Mesmo não havendo proibição na recomendação etária dos filmes, a jornalista foi impedida pelos funcionários do multiplex de mostrar ao filho a clássica história do egípcio que foi mumificado vivo por três mil anos. “Acho que tenho autonomia para discernir o que é benéfico ou maléfico para a formação do menino. Tenho certeza de que certos jogos de videogame são bem mais sugestivos à violência do que o filme em questão. Pensei em procurar o gerente para argumentar, mas desisti em vista da quantidade de gente na fila do cinema”.

Idérita Barros, uma das gerentes da United Cinema International (UCI), que em parceria com o Grupo Severiano Ribeiro administra os multiplexes do Tacaruna e Shopping Recife, diz que muitas reclamações nesse sentido chegam ao seu conhecimento. “Vários pais e responsáveis ficam bastante chateados com o impedimento de seus filhos ao acesso em filmes apontados como inadequados a sua faixa etária. Eles sempre vão embora dizendo que depois mostram, em vídeo, o filme para as crianças, já que não há fiscalização nesse sentido”.

DENÚNCIA – A orientação de não liberar a entrada de menores que a gerente da UCI passou aos seus funcionários foi a mesma que recebeu da Ana Maria do Amaral, da Promotoria de Defesa da Criança e do Adolescente.  A promotora diz que soube de denúncias revelando que crianças desacompanhadas estavam entrando em filmes inadequados a sua formação, e recomendou que fosse verificado o artigo 255 do Estatuto da Criança e Adolescente.

O artigo da lei 8.069 diz que a exibição, para os jovens, de filme, trailer, peça, amostra ou congênere, classificado pelo órgão público competente como inadequado a criança ou adolescente, pode gerar uma multa de 20 a 100 salários de referência, e se o exibidor insistir no delito, a autoridade pode suspender o espetáculo ou fechar o estabelecimento por até 15 dias.

REVISÃO – Ao contrário de Ludmila Portela, um outro freqüentador dos cinemas recifense resolveu levar adiante o direito de acompanhar seu filho em alguns filmes considerados inapropriado ao garoto. Ele solicitou ao Ministério Público uma permissão para ter acesso às salas de cinema argumentando que em alguns casos o filme é até pedagogicamente pertinente para a formação do jovem; como O resgate do soldado Ryan, que no Brasil recebeu o carimbo de “desaconselhavel para menores de 12 anos”.

Um outro argumento da petição que chegou à Procuradoria diz respeito ao teor indicativo de classificação etária. Como se trata de uma recomendação e não de uma censura, e se o pai entende que o filme não é inadequado, então não deve ser considerado crime o acesso do jovem, desde que acompanhado por um responsável.

A promotora Ana Maria explica que o Ministério Público não censura nem condena essa atitude, o que se pretende com as recomendações é preservar a formação do jovem. “Temos a incumbência de zelar pela segurança total da criança e do adolescente. Quando desacompanhado, o jovem não delibera sobre a adequação. A recomendação etária é uma norma de proteção e como tal deve ser acatada”.

“Considerando a pertinência da matéria apresentada à procuradoria vamos convocar educadores, jovens e responsáveis para um debate no auditório da Procuradoria Geral de Justiça. Dessa forma tentaremos chegar, em consenso com a sociedade, a uma nova recomendação, ou a uma reedição da recomendação de acesso dos jovens aos espetáculos”, concluiu Ana Maria.

NO BRASIL, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DETERMINA A CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA – O garoto que tiver doze anos no Brasil pode assistir, sozinho, o filme The matrix – que conta a história de um especialista em informática lutando para salvar a raça humana. Para assistir a mesma película na Inglaterra, o rapaz precisaria ter 15 anos completos. Na Alemanha, 16, e nos Estados Unidos, 17 (a não ser que esteja acompanhado pelo pai ou responsável).

“Graças a sua peculiaridade cultural, cada país tem uma maneira de taxar a classificação etária dos filmes (veja box). Outro aspecto que dificulta delimitar essa recomendação é o ritmo acelerado pelos quais passam os valores observados na sociedade. Fica muito difícil definir com precisão o que é, ou não, impróprio aos jovens”, opina Fernando Nogueira, que intercede em Brasília por boa parte das distribuidoras nacionais junto ao Ministério da Justiça.

No Brasil, a própria distribuidora propõe a que faixa de idade o filme deve ser dirigido. Há uma sugestão, por parte dos distribuidores, para que o filme atinja um maior número de espectadores, por isso que a decisão final é sempre do Departamento de Classificação Indicativa, divisão do Ministério da Justiça, responsável pela classificação etária no país.

André Sturm, assessor de imprensa da Pandora (distribuidora de filmes fora do padrão “circuitão”, como o italiano Aprile) diz que nunca teve problemas nesse sentido. “Enviamos as sinopses detalhando a história do filme juntamente com sua ficha técnica e, em quase 80% de nossos filmes, recomendamos que ele receba a classificação de inapropriado para menores de 14 anos. Não que o filme vá ofender a formação do adolescente, e sim pelo fato de que a temática requer uma sensibilidade e desenvolvimento intelectual que o jovem com menos de 14 anos ainda não alcançou”.

Já Denise Savaget, da Lumiere, diz que Despedidas em Las Vegas recebeu o carimbo de proibido para menores de 18 anos, “mas conseguimos recorrer enviando uma cópia do filme ao Ministério da Justiça, que acabou por concordar em reduziu a indicação para desaconselhável para menores de 14 anos”. O mesmo não aconteceu com Studio 54. “O filme ficou estigmatizado por mostrar cenas de sexo, consumo de drogas e utilizar um linguajar grosseiro”.

No Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça a secretária Mirna Fraga explica que a referência para definir que filme é impróprio ou não ao jovem brasileiro está na portaria 773, de 19 de outubro de 1990, publicada no Diário Oficial da União. “Lá estão as determinações que orientam a classificação quanto a cenas de excessiva violência ou prática de atos sexuais e desvirtuamento de valores éticos”.

PSICÓLOGA ALERTA CONTRA FILMES INDEVIDOS  – Quem pode imaginar o que se passa na cabeça de uma criança ou adolescente quando assiste um filme considerado inapropriado à sua faixa etária? A psicóloga Guiomar Marques de Melo, que já trabalhou com  crianças de até dois anos, dá uma pista. Ela lembra que o fator mais preocupante na maioria das histórias é a conotação distorcida sobre o sexo, violência e morte que alguns filmes podem suscitar na personalidade ainda em formação do jovem.

“O jovem na faixa etária dos 14 anos, que vê um filme no qual há uma exploração da sexualidade, pode criar uma excitação por sensações que ainda não vivencia, além de não estar totalmente preparado fisiologicamente. Essa excitação pode se transformar numa angústia, maior que a esperada para a sua idade”, explica Guiomar.

A psicóloga, que também leciona a disciplina Psicologia da personalidade na Faculdade de Ciências Humanas de Olinda, chama a atenção para o adolescente que não está capacitado para acompanhar filmes violentos. “Em um filme de guerra como O Resgate do soldado Ryan; o que fica na memória do menino não é o conteúdo histórico do filme, muito menos a mensagem patriota que Spielberg quer passar. O que se destaca para o jovem são as cenas de mortes bárbaras. O adolescente se detêm àquela simulação de guerra, mas não está preparado para compreender a razão pela qual tudo aquilo está acontecendo.”

“Ainda com relação a violência, se observarmos o filme Rambo no qual o herói não sofre nada, mesmo nas situações mais inverossímeis – a criança pode entender que o adulto consegue superar a morte. Um conceito errado que o jovem pode interpretar como possível”.

Diálogos chulos, histórias de cunho psicológico e temas como vida após a morte também não são recomendados às crianças. “O filme Amor além da vida, que recebeu a classificação de ‘Livre’, no Brasil, merecia uma nova avaliação. Existe uma seqüência muito impressionante na qual o inferno é apresentado ao espectador. Essa referência que se passa para a criança pode causar alguma espécie de trauma”, avisa.

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