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Críticas

Rambo: Até o Fim

Um alienígena, descompensado, mas excitante, num 2019 de aparências e boas intenções.

Por Luiz Joaquim | 24.09.2019 (terça-feira)

Era um mundo à parte, o daqueles que realizaram e que consumiram (curtindo) o cinema de ação norte-americano durantes os anos 1980. O espírito bélico e vingativo era a moeda corrente dos maiores sucessos hollywoodianos de então. O número de mortes a cada nova estreia, sempre passando das dezenas, era contabilizado como uma espécie de selo de qualidade. Um de seus maiores símbolos, o veterano de guerra John Rambo, ajudou a tornar Sylvester Stallone num dos reis daquela década – ao lado de outro símbolo ainda maior da América, encarnado pelo mesmo ator, o não menos destemido Rocky Balboa (sendo esse último caracterizado pela generosidade).

Para o jovem milleniun que lê esse texto pelo seu smartphone entender o significado desse sucesso basta trazer o seguinte dado: em 1988, Rambo III fez um total de quase 95 mil espectadores. Não no Brasil, mas apenas nos cinemas que exibiu na cidade do Recife (!).

Desta forma, torna-se ainda mais impressionante que Stallone, esse senhor hoje aos 73 anos, consiga nos oferecer em 2019 – um outro mundo à parte – o resgate dessa espécie de alienígena no século 21 pelo seu novo Rambo: Até o fim (Rambo: Last Blood, EUA, 2019).

O interessante aqui está exatamente no contraste de reencontrar John Rambo num mundo (ainda bem) de veganos, bikemilitantes, ecologistas e combatentes pela diversidade sexual. E o que há de contrastante nisso? Todos os representantes citados na oração anterior podem ser reconhecidos por uma característica: a antiviolência, enquanto que Rambo representa o que há de mais brutal, vingativo e sanguinolento na violência física.

A chave aqui, que mantém Rambo ainda interessante (como filme de ação em 2019) é a estrutura de seu herói. Ela é seca o suficiente para responder apenas a dois instintos básicos: ódio e amor. No histórico do personagem, de ex-combatente da Guerra do Vietnã, está apenas o amor àqueles que lhes são próximos, e o ódio àqueles que maltratam aqueles poucos que Rambo ama.

John Rambo é o injustiçado, o esquecido, um pária, traído e solitário, enfim. Aquele que faz e resolve a guerra-de-um-homem-só.

Para um personagem que se movimenta por uma chave tão básica, só o desenho de um ambiente de guerra para justificar tanta violência. Se em Rambo: programado para matar (1982), os algozes eram seus compatriotas, em Rambo II: A missão (1985), ele precisa voltar ao Vietnã, enquanto que em Rambo III (1988) luta contra os soviéticos no Afeganistão, para em Rambo IV (2008) ajudar religiosos nas selvas da Tailândia.

Em 2019, Stallone (co-roteirista com Matthew Cirulnick) definiu mexicanos traficantes de prostitutas e narcóticos como inimigos.

Ficasse apenas com ‘traficantes de prostitutas e narcóticos’ e estaria fora do escopo de qualquer crítica política, mas o aspecto ultrapatriótico do personagem parece não abrir espaço para construir vilões tão malvados feitos no próprio EUA (curiosamente, algo assumido pelo autor de Rambo, David Morell, em seu romance que inspirou o filme 1).

Há inclusive uma cena simbólica no novo filme envolvendo a fronteira do México com os EUA, algo tão emblemático em tempos do governo Trump.

Contra detratores, Stallone pode se defender lembrando que aquelas a quem seu Rambo do século 21 ama são duas mexicanas. A velha Maria (Adriana Barraza), que o recebeu há dez em seu rancho no Arizona; e sua neta, órfã de mãe, de 17 anos de idade, Gabriela (Yvette Monreal), a quem Rambo ajudou a criar.

Quando Gabriela resolver ir sozinha ao México em busca do pai que a abandonou ainda criança, acaba literalmente presa numa situação absurda de abuso sexual. É a mola que fara Rambo destravar seus instintos de ódio e tentar resolver tudo sozinho. Na porrada e com suas facas afiadas.

Nesse sentido, o que temos aqui é uma estrutura que reúne todos os símbolos que marcaram o nosso herói ao longo dos últimos 37 anos – ele querendo evitar o confronto, ele tentando resolver e se dando mal, ele escapando, e ele partindo para uma tática de guerra para vencer os inimigos – que são a encarnação pura e absoluta do mal.

Stallone é esperto em dar ao seu fã marcas que refresquem sua memória quanto ao estilo Rambo de resolver problemas, ou de sofrer problemas: levar uma surra primeiro para dar outra depois, ganhar uma cicatriz em seu rosto do bandido; preparar-se meticulosamente para a guerra; afiar a faca com afinco; praticar o arco e a flecha; camuflar-se; e conseguir tolerar a dor extrema para atingir seu objetivo.

Ou seja, temos aqui o que sempre tivemos, e ganhamos o que sempre queremos ganhar neste tipo de filme: a punição do mal absoluto. Posto isso, falemos de um último aspecto valioso que explica a excitação provocada por este Rambo V: Stallone quer se divertir e divertir os seus fãs. Rambo: Até o fim não foi feito exatamente para ser um sucesso de bilheteria (e acabou por se tornar um – fez mais de US$ 19 milhões na estreia dos EUA), como foram aqueles dos 1980s. Mas apenas para excitar uma parcela adulta e idosa do público.

Mesmo que para isso jogue no mundo de hoje um filme de classificação 18 anos que justifica tal classificação; com uma violência que ninguém parece mais aceitar em 2019. Mesmo no cinema. Ainda que o cinema seja o único lugar onde tal violência deveria ter permissão para acontecer.

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