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Críticas

Eternos

Um ‘Marvel’ com potenciais para boas reflexões.

Por Amanda de Luna | 04.11.2021 (quinta-feira)

Antes de tudo que conhecemos sobre super-herois, uma espécie chamada de Eternos já habitava a Terra, combatendo as criaturas Deviantes para proteger a humanidade e seu planeta. Criados por seres grandiosos – os Celestiais -, os Eternos, durante milênios, cumprem fielmente sua missão, estando presente no percurso da história do mundo, orientados, todavia, a não interferir nos conflitos humanos alheios aos seus deveres.

Dirigido pela vencedora do Oscar Chloé Zhao (Nomadland), o enredo de Eternos (Eternals, EUA, 2021) não inaugura a fase 4 da Marvel, mas se apresenta como o filme mais distinto de seu universo cinematográfico até o momento, apontando para um futuro sem os rostos conhecidos e com traços mais maduros. A direção de Zhao, aliada à fotografia de Ben Davis e trilha sonora de Ramin Djwadi traz uma produção mais contemplativa e reflexiva, não deixando de lado, no entanto, elementos já íntimos do público, sobretudo as cenas de ação.

Da esquerda para direita: Barry Keoghan, Lauren Ridloff, Lia Mchugh, Gemma Chan, Angelina Jolie e Brian Tyree Henry.

Desde o lançamento de Homem de ferro (EUA, 2008), o chamado Universo Cinematográfico Marvel (MCU) construiu, ao longo de 13 anos, um conjunto de produções interligadas que desenvolveram não apenas a identidade de seus personagens, mas também uma espécie de essência sempre esperada em seus filmes. As piadas, as batalhas, o dilema interno do herói e da heroína, o sacrifício e o grandioso objetivo de salvar o planeta sempre foram muito marcantes nas obras “marvelescas”.

É certo que durante as três fases de filmes já completas, reflexões sobre representatividade e motivações humanas já haviam sido exploradas pontualmente, tendo como grande exemplo o vencedor do Oscar Pantera negra (EUA, 2018), contudo os elementos constantes e a narrativa menos diversa acabaram sempre imperativos na maioria das outras obras. Com Eternos, a Marvel parece ter dado um passo a mais em sua história, ao trazer com mais naturalidade a diversidade expressa em seus personagens que, importados das histórias em quadrinhos, tiveram seu gênero, sexualidade, raça e até certos comportamentos estereotipados modificados para trazer maior representatividade à obra fílmica.

Destaque importante a ser feito diz respeito à primeira vez que um filme do MCU é dirigido unicamente por uma mulher. A escolha de Zhao para conduzir a produção traz não apenas interessantes aspectos artísticos que compõem a beleza estética e as cenas de luta fluidas e bem enquadradas, mas também o desenvolvimento da figura da heroína despida de objetificações como a que aconteceu com a personagem da Viúva Negra em Homem de ferro 2 (EUA, 2010). Eternos está concentrado em nos apresentar seres extraterrenos, que viveram por milênios e, com isso, caracterizações mais sóbrias buscam indicar certa maturidade na abordagem da narrativa. Contrastando com tal impressão, no entanto, os diálogos remanescem de forma mais superficial na busca de frases de efeito ou alívio cômico, que não correspondem por vezes aos aspectos estéticos mais naturalistas da produção.

Outro ponto que chama a atenção é a de que a preocupação do filme imprime muito mais a intenção voltada às relações do grupo de forma afetiva e por meio de seus valores, sendo alguns personagens mais explorados que outros, sem prejuízo da interação entre eles, o que alcança uma dinâmica em equipe convincente, mas não tão cativante como a que ocorre, por exemplo, em Guardiões da galáxia (EUA, 2014). A multiplicidade de personagens, embora diante de quase 2 horas e 40 minutos de filme, não permite que todos sejam abordados de forma profunda, mas o suficiente para que entendamos minimamente suas personalidades.

Angelina Jolie é Thena em Eternos.

Como em outros filmes da Marvel, Eternos traz ainda referências que situam o público acerca do momento em que se passa sua história, conectando os fatos que ocorrem ali com fatos pretéritos vistos em outros filmes, através de breves menções a personagens como Thanos e os Vingadores. Interessante, pois ao mesmo tempo em que propõe perspectivas e elementos narrativos distintos das produções anteriores, busca demonstrar a conexão com tais. A narrativa, além de tudo, encontra justificativas para o fato de nunca terem sido citados naquele universo, mesmo convivendo há milênios com a humanidade. As respostas vêm tanto de forma explícita nas falas dos personagens, como também com o trabalho da produção de arte, incorporando implicitamente elementos que nos remetem a certos momentos da História.

De forma semelhante, há ainda referências a personalidades de mitologias, como a mitologia grega, nos nomes e contextos, trazendo como exemplo os personagens interpretados por Angelina Jolie, Brian Tyree Henry e Richard Madden, que se chamam, respectivamente, Thena, Phastos e Ikaris. Esses nos levam diretamente à deusa da sabedoria Atena, ao deus Hefesto e a Ícaro, cuja lenda é incorporada visualmente em certo momento do filme. Até mesmo nos créditos ao final, elementos de referência podem ser encontrados, interligando a presença dos heróis a momentos históricos. Por outro lado, não se pode deixar de elencar que em certas cenas há o risco da construção de estereótipos sobre determinadas culturas não-hegemônicas, colocadas de modo ligeiro, prejudicando o tom diversificado que a narrativa busca.

Eternos se distancia um pouco do “estilo Marvel” na medida em que traz um potencial reflexivo e até mesmo filosófico por trás de suas intenções expressas de forma mais sólida na cenografia, mas se permite guardar o heroísmo já conhecido e que manteve os filmes de seu universo relacionados e reconhecidos durante tanto tempo. O ponto mais fraco na história fica por conta da ausência da figura de um vilão como forte contraponto, deixando que a narrativa fique à mercê de seus conflitos mais internos e dissipados na quantidade de personagens, o que pode soar um pouco bagunçado por parte da audiência.

As apostas mais evidentes nesta produção, sem dúvidas, encontram-se na busca por mais representatividade, trazendo  ainda como parte do tema abordado a crença na humanidade. Embora responsável pelas mazelas sociais e tragédias que marcam nossa história, humanos ainda encontram a admiração e proteção de uma espécie de seres magicamente superiores que ainda acreditam em sua esperança e sua bondade.

O novo filme da Marvel estreia hoje (4) nos cinemas e, como de costume, mantenha-se na poltrona até o final: há duas cenas pós-créditos. Vale conferir.

 

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