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Red: Crescer É uma Fera

Animação da Pixar é alegoria sobre a confusão da puberdade e aceitar as próprias emoções

Por Renato Felix | 06.04.2022 (quarta-feira)

Alguns filmes conseguem traduzir em seu próprio espírito o jeito de ser de seu protagonista. Sem dúvida é o que acontece em Red: Crescer é uma fera (“Turning Red”, Estados Unidos, 2022). A produção da Disney/ Pixar é estrelada por Mei Mei, uma menina de 13 anos que está passando por mudanças profundas e que, ao sentir emoções fortes, se transforma – para seu próprio horror – num grande panda vermelho.

O filme, hiperativo, exagerado, e visualmente recorrendo a recursos que evocam animação oriental e filtros de Instagram, dialoga intimamente não só com a personagem, mas certamente com um número bem expressivo de garotas dessa idade. E – por que não dizer? – também com mulheres que já passaram pelos 13 anos, e que foram fãs terminais de alguma boy band e que se lembram de descobrir como é se sentir atraída por algum garoto da escola.

Além, é claro, daquelas que têm ou tiveram problemas com suas mães, sofrendo para corresponder às expectativas maternas. Essa “opressão parental” por excesso de cuidado não é um tema isolado na Disney. De Valente (2012) a Se eu fosse minha mãe (1976), passando por A pequena sereia (1989), outros filmes do estúdio já abordaram o assunto.

O ritmo frenético do filme já é assumido desde o começo, combinando com a atitude confiante da protagonista, que fala diretamente com o público, se apresentando e à sua turma de amigas, e se vangloriando de já “ser adulta”. Esse ponto é importante porque a animação, afinal, é sobre a puberdade e seus sentimentos confusos.

A cor vermelha ostensiva desde o título, Turning red (a palavra “Red” aqui no Brasil não foi traduzida no nome do filme, um anglicismo tolo), já seria uma óbvia metáfora para a menstruação, mas a animação trata disso diretamente: quando Mei Mei acorda pela primeira vez transformada no panda vermelho, ela se tranca no banheiro e a mãe da menina acha que “chegou o momento”, correndo para oferecer absorventes e ter aquela conversa sobre o assunto.

Mei Mei como um panda vermelho. A adolescência não é fácil.

Não é isso o que acontece, mas o filme não deixa de ser uma alegoria sobre isso. O que também acontece é que Mei Mei se descobre atraída por um menino e descarrega essa sensação em desenhos que, depois, vão horrorizar sua mãe superprotetora e conservadora. Importante é que o filme não aponta isso como um amor, uma paixão. É atração física mesmo, um despertar sexual, ainda que inocente a ponto de, transformada em panda vermelho, a menina veja o rapaz de novo e bata o pé e uive como o lobo dos desenhos clássicos de Tex Avery, quando via uma mulher sexy.

È um dos muitos momentos em que o filme se sai bem no humor visual. “Red” evita o romance e assume a postura de uma animação esperta e expansiva, abrindo concessões para a fofura apenas em alguns momentos emotivos com o panda vermelho. Mas sempre transparecendo o carinho por sua protagonista e a empatia pela ebulição dessa fase da vida.

A diretora Domee Shi transporta para o filme sua formação sino-canadense. Nascida na China, sua família se mudou para o Canadá quando ela tinha só dois anos. “Red” é focado exatamente numa família de imigrantes chineses em Toronto, que não têm qualquer dificuldade em manter suas tradições enquanto se integra à sociedade ocidental. As animações japonesas estão entre suas preferências (Pokemon, Cowboy Bebop, One Piece, Avatar, A Viagem de Chihiro), o que também está refletido na estética do filme e reforça uma narrativa muito pessoal.

É claro que também ajuda o fato de que Hollywood há algum tempo têm se voltado para a China como cultura, personagens e cenário por uma questão de mercado, já que o país passou a figurar como uma fatia importante da bilheteria mundial para o cinema americano. Isso facilitou para que histórias chinesas contadas por chineses venham sendo produzidas, com uma preocupação de representar bem a cultura e a história do país.

Apesar disso, “Red” é o terceiro filme consecutivo da Pixar que a Disney estreia direto em seu serviço de streaming, e não nos cinemas – depois de “Soul” e “Luca”. Considerando que as produções do Walt Disney Animation Studios no mesmo período tiveram sua oportunidade no circuito (Raya e o Último Dragão, Encanto), é impossível não questionar se o estúdio está querendo escantear os filmes da Pixar (ou, talvez, usá-los para valorizar a Disney Plus). De qualquer forma, é um crime de lesa-cinema privar os espectadores de aproveitar algumas das mais elaboradas animações do nosso tempo na tela grande.

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