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Festivais

50º Gramado (2022) – Balanço

Balancinho com direito a elogios, Fanon e um protesto doméstico.

Por Ivonete Pinto | 29.08.2022 (segunda-feira)

– na foto acima, de Edison Vara/Agência Presspohoto, todos os contemplados da edição 50º do festival

A 50ª edição do Festival de Cinema de Gramado só não alcançou a unanimidade, porque, afinal toda unanimidade é burra (Nelson Rodrigues). Mas é notável o nível de consonância quanto à qualidade dos filmes apresentados na categoria de longas brasileiros (as categorias de filmes estrangeiros e curtas nacionais, pela abrangência dos títulos, requerem outro momento para análise).

Tendo a seu favor uma produção represada pela pandemia da Covid-19, pois muitos diretores resolveram esperar para lançar os filmes nas salas de cinema, a curadoria do festival gaúcho (Marcos Santuário, Soledad Villamil e Dira Paes) foi muito feliz nas escolhas, todas elas, em grau maior ou menor, dignas de respeito. Dos sete títulos brasileiros, ao menos quatro são intensamente empenhados e  rendem inúmeras análises de forma e conteúdo. Sobre A mãe, de Cristiano Burlan, e Noites alienígenas, de Sérgio de Carvalho e O pastor e o guerrilheiro, de José Eduardo Belmonte,  já dedicamos algumas linhas (ver Cinema Escrito) e sobre Marte um, há um generosa fortuna crítica circulando na Internet, de modo que não sobrou muito o que falar.

Se Noites alienígenas mereceu nosso Prêmio da Crítica, não significa que Marte um não estivesse fortemente em nosso radar. E esta é mais clara demonstração de que o festival contou com uma programação rica, pois os júris tiveram várias opções. Triste é o festival onde apenas uma produção se destaca e que acaba levando a maior parte dos prêmios.

Saliente-se também a sintonia desta edição – dos curadores – com as pautas identitárias, com a agenda política e com a necessidade mais do que urgente de valorizar filmes queque apresentem outros horizontes.  Marte um vem de Contagem, Minas Gerais, Noites alienígenas  é de Rio Branco (Acre), estado sem histórico de longas, mesmo que os meios de produção há alguns anos tenham barateado e permitido, em tese, que estados periféricos pudessem fazer seus filmes. Mas  ter uma câmera não garante nada. Uma estrutura de produção requer muito mais, por isso a comemoração alucinada da equipe quando ganhou, entre outros prêmios, o principal, o Kikito de Melhor Filme. Eles conseguiram o muito mais.

E não bastava o nome de Chico Diaz funcionando como carimbo para que o filme fosse notado. A curadoria percebeu a robustez do roteiro e da encenação. Percebeu ali uma síntese de um Brasil que não traz turistas para Gramado, mas que existe e não deve ser ignorado. Gramado equilibra-se serpenteando interesses que se dividem entre filmes “de mercado”, com estrelas (para atrair turistas), e filmes autorais, de baixo orçamento e rigor estético (para honrar a ideia de um festival). Nem uma categoria nem outra asseguram bons filmes, por isso nesta edição a equação resultante precisa ser festejada.

Gramado vivia uma espécie de “princípio da ausência”, com raros filmes de diretores negros (e temáticas negras) e de uma recorrente centralização de origem em um urbano eixo Rio-São Paulo. Grada Kilomba, no prefácio do livro de Frantz Fanon, Pele negra, máscaras brancas,  diz que o princípio da ausência é uma das bases do racismo. Ela se referia à ausência dos próprios livros de Fanon em português, que por serem ausentes deixavam de ter existência real.

Assim, Gramado rompeu este princípio e a plateia recebeu com efusividade a presença  do Acre e da mineira Contagem. Os jurados reconheceram a procedência aliada à força das realizações.

Aqui do nosso quintal, a lamentar que nenhuma produção gaúcha tenha entrado na competitiva nacional. Também no Rio Grande do Sul havia um represamento de bons títulos e seria um gesto político a inclusão de algum deles. Um gesto que contribuiria para fomentar a manutenção  de editais públicos locais, que ajudaria a roda girar, que destacaria o imaginário regional gerando adesões bem-vindas. É inegável que Gramado foi fundamental para o surgimento de várias gerações de cineastas e de cursos de graduação em cinema. Muitos dos filmes abordados no livro 50 Olhares da crítica sobre o cinema gaúcho (produção da Accirs – Associação de Críticos de Cinema do RS), fizeram sua trajetória a partir do lançamento no festival. Porém, a vitrine que vê brotar as novas gerações, o Gauchão (Prêmio Assembleia Legislativa), está pequena demais. Considerando que seu público costuma ficar restrito  às equipes e que o interesse da crítica de outros estados não consegue ser despertado para duas tardes da programação, o cinema gaúcho, em suma, não tem no festival a visibilidade que merece. Naturalmente, a questão dos curtas do Rio Grande do Sul não é uma seara da trinca de curadores, já estamos em outro assunto. Assunto que envolve as entidades do cinema e a direção artística do festival. Que os próximos 50 anos fiquem mais próximos do cinema gaúcho.

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