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Críticas

Belas Promessas

Política: ética e legítimo interesse pela causa social abalados pela vaidade.

Por Luiz Joaquim | 01.03.2023 (quarta-feira)

É particularmente prazeroso ver um filme consistente, com personagens sólidos em sua estrutura e lutando por um desafiador objetivo social dentro de um contexto técnico específico.

Estamos falando de Belas promessas (Les Promesses, Fra., 2022), da gigante atriz Isabelle Huppert com o ator Reda Kateb e da política pública como meio profissional.

Belas promessas, dirigido por Thomas Kruithof, entra em cartaz nos cinemas do Brasil amanhã, quinta-feira (2).

Cercando tudo isso, um roteiro redondo (coassinado por Kruithof e Jean-Baptiste Delafon) que nos sequestra rapidamente para a sinuca de bico em que seus protagonistas se metem.

E, vale dizer, criar, com competência, uma crescente tensão a partir de uma disputa de intelecto, tendo como pano de fundo o bem-estar de uma comunidade suburbana, no caso, nos arredores de Paris, é algo para poucos cineastas.

Curioso é também observar Huppert sombreada neste filme pelo talento de Kateb. Não que o brilho da dama do cinema francês seja ofuscado pela performance do ator, mas é sobre a trajetória do personagem masculino que parece pousar o maior interesse neste desenho dramático traçado por Kruithof. E Kateb defende esse desenho dando ao seu personagem Yazid um sutil e comovente equilíbrio entre a força, a resignação e a determinação.

Reda Kateb (como Yazid), com brilho em pé de igualdade com o da gigante Huppert

Huppert é Clémence, médica de formação que chega ao final de seu segundo mandato como prefeita de Évry, ao sul de Paris, tentando reunir recursos na ordem de mais de 60 milhões de Euros com o primeiro ministro francês.

Ela quer encerrar sua passagem pela prefeitura transformando um bairro da região, em particular o conjunto habitacional Bernardins, em moradia digna, longe da inóspita, insalubre e exploratória sublocações feitas por proprietários que superlotam os apartamentos com imigrantes, alguns irregulares.

A prefeita Clémence (Huppert): ética e legítimo interesse pela causa social abalados pela vaidade

Seu braço direito é Yazid (Kateb), o brilhante jovem Chefe de Gabinete da prefeitura que cresceu nas ruas da região, creditando-o, pela sua origem, como um elo perfeito que encurta o caminho entre a Sra. prefeita – tarimbada na arte de conquistar a confiança do povo – e os eleitores: estes já calejados nas velhas e nunca cumpridas promessas feitas pelas gestões anteriores.

Acontece que, para chegar ao êxito de seu projeto, Clémence e Yazid precisam costurar amarras que passam pela sedução do descrente prefeito de Paris (Laurent Poitrenaux) – para chegar ao Primeiro Ministro -, do influente líder comunitário Kupka (Jean-Paul Bordes), além de Pierre (Hervé Pierre) presidente do partido de Clémence.

Como se não bastasse, o roteiro de Belas promessas introduz uma proposta tentadora na carreira de Clémence que abala sua relação com o fiel escudeiro Yazid, ressaltando o tanto dos passos delicados (e nada polidos), mas às vezes necessários, de serem dados numa carreira política para se conseguir um objetivo maior… ou apenas por vaidade mesmo.

Criador – Clémence (Huppert) – e criatura Yazid (Kaled) – em conflito pelas mesmas razões.

O filme, assim, parece dar um passeio com firmeza pelos campos mais sensíveis da política, com destaque para o que há de ético ou moral quando se está diante de um cargo público.

E, ao nos levar por esses campos, conseguimos perceber que, ao menor movimento para a esquerda ou para a direita, para cima ou para baixo, teremos o futuro de centenas de milhares de pessoas modificados.

Pelo aspecto cinematográfico, Belas promessas é fascinante, podemos dizer, por se apropriar confortavelmente das artimanhas da linguagem do cinema e criar uma clímax a partir do embate intelectual, com as insinuações, por que não dizer, filosóficas que o bom cinema francês costuma oferecer, recheadas com carisma e envolvimento.

Bravo.

PS: O filme esteve na mostra Horizontes, do Festival de Veneza 2021

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