O Buraco da Agulha
“Suspense da primeira a última cena”. É bom revisitar velhos amigos.
Por Luiz Joaquim | 21.06.2023 (quarta-feira)
Uma das experiências mais prazerosas para um cinéfilo veterano é reencontrar um filme que lhe marcou na juventude e descobrir, neste reencontro, que ele não envelheceu. Pelo contrário. Descobrir que 20, 30, 40, 50 anos depois aquela obra ainda tem muito a dizer e surpreender pela sintaxe do cinema. Seja qual for a chave pela qual ela irá abrir sua cabeça nas múltiplas possibilidades do envolvimento cinematográfico.
Àqueles que, há mais de quatro décadas, se emocionaram com O buraco da agulha (Eye of the Nedle, UK, 1981) numa sala de cinema ou numa sessão televisiva madrugada adentro, é possível reviver o deleite provocado pelo filme de Richard Marquand agora pelo streaming.
No caso, pelo canal gratuito NetMovies, que disponibiliza o filme em resolução baixa, sofrida, e com trechos sem sincronia entre som e imagem. Ao menos a versão disponibilizada tem o som original e legendas em português.
No Recife, O buraco da agulha estreou em fevereiro de 1982. Na tevê aberta, sua primeira exibição no Brasil ocorreu às 22h de uma quinta-feira em maio de 1986, pelo programa Quinta espetacular da TV Bandeirantes.
Com roteiro adaptado por Stanley Mann a partir do best-seller homônimo de Ken Follett, Marquand contava com apenas uma grande estrela no elenco, Donald Sutherland, cujo brilho, até ali, havia iluminado o cinema mundial n’Os doze condenados (1967), M*A*S*H* (1970), Johnny vai à guerra (1971), Klute, O passado condena (1971), Casanova de Fellini (1976), Invasores de corpos (1978) e Gente como a gente (1980), entre outros.
Não era pouco já em 1981, portanto, estampar o nome de Sutherland no pôster de seu filme. E o ator encarnou o espião nazista Henry Faber, o ‘Agulha’, com a precisa elegância britânica e necessária dubiedade moral para confundir não apenas os ingleses que espionava para Hitler, conforme o enredo de Follett, como também para confundir os espectadores do filme de Marquand.
O buraco da agulha, o filme, funciona em dois blocos distintos de dinâmica narrativa. Na primeira parte, conhecemos a frieza do infiltrado espião alemão que não exita em assassinar qualquer pessoa que descubra sua verdadeira identidade na Londres do início dos anos 1940. Um cidade em alerta constante contra os nazistas.
Sua assinatura assassina é atacar com uma pequena adaga, como uma agulha, com a qual fura sua vítima em um ponto mortal do corpo.
A atmosfera é o da espionagem, numa ambientação e direção de arte pautada pela galhardia, mas que não chama a atenção para si própria (como deveria ser toda direção de arte, aqui assinada por Bert Davey e John Hoesli). Tudo emoldurado sonoramente pela trilha sonora da lenda húngara Miklós Rôzsa (Ben-Hur; El Cid; Ivanhoé), também imputando a urgência e o perigo das ações que movem o Agulha.
Neste clima, Faber descobre que a invasão do Dia D não será em Pas de Calais, como imaginava Hitler conforme foi alertardo, vejam só, pelos seus astrólogos. Para o êxito do 3º Reich, Faber precisa enviar as informações por rádio à Alemanha que o General Patton iria comandar o Terceiro Exército após o desembarque na Normandia.
Em paralelo à trama da espionagem, conhecemos o triste destino da inglesa Lucy (Kate Nelligan), que sofre um acidente de automóvel a caminha da sua Lua de Mel. Anos mais tarde, a encontraremos morando na remota, isolado e rochosa Ilha da Tempestade com o marido paraplégico (Chritopher Cazenove), por opção deste, saindo de Londres pelas próprias frustrações a partir do acidente.
Além do hostil marido, Lucy coabita a ilha com o filho de três anos e um velho faroleiro bêbado. E só.
O segundo bloco dramático de O buraco da agulha se dá exatamente no encontro entre o Agulha e Lucy na Ilha da Tempestade. E é aqui que Marquand registra a sua assinatura como um excelente administrador de tensões, alternando a ideia do cenários desértico e, ao mesmo tempo, aconchegante da ilha.
Aconchego tanto físico, pela bela casa de Lucy, quanto afetivo pela sua candura. Algo facilmente traduzível na carência absoluta de afeto com a qual a mulher toca a vida, em constante conflito com o violento marido.
Um inevitável romance surge entre Faber e Lucy e, nesse ponto, O buraco da agulha promove uma saudável confusão na cabeça do espectador, fazendo-o torcer pelo espião nazista e contra o marido opressor – com direito a uma referência a Limite, de Mário Peixoto.
Numa leitura mais contemporânea, poderíamos falar de Lucy como a figura da mulher em seu flagelo eterno, subjulgada pelos homens. Mas até nesse quesito, O buraco da agulha surpreende em seu caráter moderno, com Lucy, ao seu modo, virando o jogo e impedindo, digamos assim, que a Alemanha saísse vitoriosa na 2ª Guerra Mundial.
O buraco da agulha encerra sem muito esclarecimentos sobre o destino de Lucy, deixando os espectadores apenas impactados pelo tanto de tensão vividas nos últimos minutos do filme. Era algo próprio da cinematografia dos anos 1970. Tão competente e tão saudosa nesse gênero cinematográfico.
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