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Críticas

Pecadores

Terror, mercado e raça: Pecadores questiona o que há de “original” no cinema de hoje

Por Humberto Silva | 09.05.2025 (sexta-feira)

– Esse texto contém spoilers. 

Pecadores (EUA, 2025), coprodução, direção e roteiro de Ryan Coogler, me pegou de surpresa. Apenas com a notícia de lançamento, não me interessou mais do que teria interesse numa espiada para saber o que entra em cartaz. Mas, indagado por um amigo se sabia da “polêmica de Pecadores”, fui impulsionado a vê-lo.

A “polêmica”, no caso, em referência a publicações norte-americanas…, girou em torno do risco de retorno de bilheterias para um filme que teria custado U$ 90 milhões. Seria um investimento alto, da Warner Bros, para um filme que, digamos, não entraria na COTA blockbusters/franquias. Esse dado, realmente, me surpreendeu. Tanto mais pela estratégia de divulgação: “é um filme original”.

Com efeito, a palavra “original” como estratégia me pegou. Ainda mais quando a vi repetida por influencers/youtube em comentários sobre Pecadores. Reverberando a isca publicitária e, assim, funcionado como garotos-propaganda uteis ao esquema de marketing Warner.

O cinema norte-americano do recente decênio, blockbusters/franquias, tem sido inundado pela nova onda remake, reboot, spin-off, crossover, adaptações de livros, reconstituições de “fatos reais”. O que, de algum modo, sugeriria carência de “originalidade”. Vender um filme como original não deixar de ser uma decisão “esperta” como estratégia de divulgação: influencers fisgaram a isca e as bilheterias sinalizam positivamente.

Folk, blues e mortos-vivos no sul dos EUA: Coogler mistura espetáculo e memória racial traumática.

Sim, claro, o roteiro de Coogler é original. Não se refilmou, novamente! Nosferatu (Murnau), A Noite dos Mortos-Vivos (Romero) ou Um Drink no Inferno (Rodriguez), para ficar nesses em lembrança fugaz. Mas o assunto, vampiros, é exaustivamente recorrente. E com isso, acentuar a originalidade, me leva a imaginar esse mesmo acento sobre a profusão de roteiros originais em terror gore no boom exploitation nos anos 70: Aniversario Macabro (1972), de Wes Craven é original…

Na época, com efeito…, um remake, uma refilmagem…, não estava na onda (Aniversário Macabro foi refilmado e dirigido por Dennis Iliadis em 2009… na nova onda, pois). Mas, sim, não sobre pretensa originalidade e sim sobre o gênero terror, duas coisas valem anotar: a incrível persistência de “filmes de terror” desde que “inventados” pela Universal nos anos de 1930; o significado de um “filme de terror” para a indústria de cinema e para o público em momentos distintos da história do cinema.

Pecadores, descartado o cartaz publicitário “original” reflete o quê sobre nosso tempo? Por que a Warner apostou nele? E por que, com respeito a ele, as bilheterias têm sido tão generosas? A questões assim postas, de modo cru, não pretendo responder no calor da hora. Mas, com elas, deixo no ar o quanto as engrenagens da indústria de cinema são sorrateiras.

Propósitos de fundo para a realização de um filme são enigmáticos, virtualmente fúteis ou mesmo imbuídos por motivações “nobres” jamais decifráveis. Contudo, quando se põe sobre a mesa U$ 90 milhões se faz uma aposta suficientemente decifrável para se entender que o jogo com o mercado pode ser tão cruel e assustador quanto um… “filme de terror” (A Noite dos Mortos-Vivos custou U$ 120 mil).

Pecadores, assim entendo, joga com a predisposição de um público amplo para assisti-lo, tanto quanto sinaliza para temas perturbadores de nosso tempo, paranoias sociais, teorias conspiratórias, ameaças virtualmente indiscerníveis e suficientemente cobertas pelo verniz da diversão, do entretenimento.

A ameaça vem do fundo da história — e do centro da tela: um terror calibrado para bilheterias.

Simbolicamente, quem são os mortos-vivos, cantando Folk, que atacam um festivo encontro de negros regado ao som do Blues no sul dos USA (Mississippi) na época da Depressão Econômica? Ou ainda, que mensagem subliminar a se pode extrair de Pecadores no contexto político com Donald Trump na presidência dos USA? Nesse sentido, na artimanha do sentido das palavras ganha outro sentido o cartaz “filme original” (as aventuras da dialética, humanismo e terror… na filosofia de Merleau-Ponty).

A estratégia de divulgação, para um público bastante amplo, atira no que vê e acerta no que não vê. Não ignoro, com efeito, que a ambiguidade com o sentido de originalidade não tenha sido devidamente pensada por Coogler.

Ryan Coogler, negro, entra na nova onda do terror (sem o composto “filmes” na expressão, para ressaltar o duplo sentido no emprego de “terror”), que tem como notável referência Jordan Peele. No jogo de sentido com o terror, com a insistência pouco original em filmar “mortos-vivos”, um cinema negro (ou preto!) em que não se podem perder de vista interesses de mercado – apostou-se U$ 90 milhões –, a incurável ferida racial na sociedade norte-americana e a espetacularização para quem se guia por sucesso de bilheterias para ir a salas de cinema.

Em suma: Pecadores é um excelente produto comercial vendido para horas de lazer numa sala de cinema no fim de semana. Entretanto, uma generalização assim é aterradora. É um pecado ver Pecadores só como atração num parque de diversão. Aludindo a Scorsese sobre filmes da Marvel.

 

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