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Críticas

Eternidade

O inferno do livre-arbítrio para alcançar o paraíso

Por Luiz Joaquim | 03.12.2025 (quarta-feira)

O que significa o ‘Paraíso’, aquele lugar para onde as boas almas vão no pós-morte?  Significa estar ao lado de quem a gente ama. Essa pergunta/resposta tão vaga pode representar um grande e absoluto nada para muitos e pode também espelhar uma total e cristalina coerência para outros muitos.

A vaga pergunta/resposta talvez fique menos vaga para aqueles que forem ver a divertida comédia românica Eternidade (EUA, 2025), de David Freyner.

É como dizia o solitário Charlie Brown em um dos geniais comentários nas tirinhas Peanuts. Lá, junto ao fiel Snoopy, encostado no tronco de um árvore, Charlie Brown se perde nos próprios pensamentos, dizendo: “Se alguém me perguntar o que é o amor eu não vou saber responder, mas posso indicar um livro, uma música ou um filme”.

No caso, quem quiser explicar o ‘Paraíso’ (ou o amor) e não souber por onde começar, Eternidade é um bom atalho.

A inspirada produção independente norte-americana chega amanhã (11) aos cinemas do Brasil entregando muito oxigênio e sorrisos para esse já tão cansado gênero de ‘amores impossíveis’ que se torna possível lá nos últimos minutos.  O filme não nega o clichê, mas o contorce a seu favor de maneira suavemente divertida. É como receber o frescor de ver pela primeira vez uma comédia aloprada de Billy Wilder, mas afinada com os dias de hoje.

O enredo é simples, mas tão bom que os ‘panos pras mangas’ nunca terminam. O velho resmungão Larry é casado há mais de 60 anos com a iluminada Joan. Ela não liga, ama o reclamão. Sabe que ele é o seu equilíbrio, assim como ela o é para ele.

Joan (Betty Buckler) e Larry (Barry Primus), versão velhinhos e inseparáveis

A partir de uma morte súbita do velho Larry, o filme nos leva, junto com ele, para um lugar que funciona como uma escala antes de ir ao paraíso, ou melhor, de ir para a ‘eternidade’.  Após uma semana naquele ‘não-lugar’, cercado de ‘vendedores’ propagandeando a sua ‘eternidade’ como a mais atraente para conquistar adéptos, os novos-mortos precisam decidir para onde irão passar seu ‘para todo sempre’.

Numa praia eternamente ensolarada ou num campo idílico com uma linda casa e lago mais abundante natureza? Há também opções mais específicas. Numa eterna boate no estilo Studio 54? Numa eterna onda, surfando? Na Paris, dos anos 1920? Ou na Alemanha dos 1930, sem nazistas?

Larry e Joan ganham o direito de experimentar a ‘eternidade’ da praia ensolarada

As piadas não param e, além delas, aqui está o primeiro acerto do filme: sugerir que a alegria ou a tristeza de passar a sua eternidade vai depender do acerto ou do erro em sua decisão. Em outra palavras, antes do fim (ou do ´começo’) os ex-vivos ainda têm o livre-arbítrio a sua disposição. Entretanto, após a escolha feita, você não pode voltar atrás e sair daquela ‘eternidade’, sob o risco de uma punição do Grande Chefe lá de cima.

Enquanto Larry (Miles Teller) ainda processa que está realmente morto mas com a aparência jovial -os ex-vivos chegam ali com a aparência da época em que foram mais felizes em vida -, ele vai se desesperando ao se dar conta que talvez, dali a sete dias, tenha de ir para a ‘eternidade’ sem Joan (Elizabeth Olsen).

Eis que no sétimo dia Joan chega por ali e Larry acha que seu último problema pós-vida acabou. Ledo engano, pois Joan descobre que seu primeiro marido, o bonitão e sedutor Luke (Callum Turner) permaneceu por esperando-a por 67 anos para juntos irem à ‘eternidade’.

e Luke e Joan ganham o direito de experimentar a ‘eternidade’ da casa no lago

Luke morreu lutando na guerra dos EUA contra a Coreia do Norte, no início dos 1950 (mas motivos para piadas internas no filme). Mas o foco aqui é: Com quem Joan irá passar a eternidade? Com aquele homem com quem viveu por mais de 60 anos – incluindo altos e baixos -, que lhe deu filhos, netos e uma bisneta; ou com o grande amor de sua vida, que ela perdeu subitamente para a Guerra e nunca teve a chance de experimentar a plenitude daquela paixão imensa?

As entradas e saídas no roteiro de Freyne e Patrick  Cunnane em Eternidade para chegar até a decisão de Joan, encerrando o filme, são muito felizes e inesperadas, segurando a mão do espectador até o último minuto.

John Early e Da’Vine Joy Randolph como os ajudantes debochados dos ex-vivos Larry e Joan

Tudo isso somado ao ‘desglamour’ do que vemos na ambientação do pós-vida/pré-paraíso… mais do que ‘desglamour’, somado ao tom debochado desses sete dias decisivos no não-lugar, deboche tão bem representado pelos guias de Larry – Anna (Da’Vine Joy Randolph) – e de Joan – Ryan (John Early) – colocam Eternidade como, o grande ‘feel-good movie’ deste final de 2025 e, talvez, como uma referência, daqui por muitos anos, como aquela comédia romântica que todos ‘precisam’ ver em algum momento.

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