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Críticas

O Pior Vizinho do Mundo

‘Seu Lunga’ gringo encontra uma razão para viver

Por Luiz Joaquim | 17.01.2023 (terça-feira)

This woman’s work, música de Kate Bush, ganha sua segunda melhor aplicação em um filme. A primeiro foi há 35 anos em Ela vai ter um bebê, dirigido pelo mestre John Hughes. A segunda surge agora em O pior vizinho do mundo (A Man Called Otto, EUA, 2022) adaptação norte-americana dirigida por Marc Foster a partir do livro A man called Ove, que também gerou um filme sueco homônimo em 2015, dirigido por Hannes Holm. Dois anos depois, o filme de Holm,  Um homem chamado Ove concorreu ao Oscar como filme internacional e pela maquiagem.

No filme de Hughes, a melodia na voz de Bush emoldurou uma situação tensa, mas com desdobramento feliz. No segundo caso, a situação ilustra a mesma situação tensa, só que o resultado final é bem diferente. Uma pena que em O pior vizinho do mundo a bela canção seja picotada duas vezes para encaixar-se na edição do filme. Ainda assim, sua força se faz bastante presente.

A distribuição internacional desta nova adaptação norte-americana da livro, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (19), traz, espertamente, Tom Hanks com cara emburrada no pôster, cravando o título O pior vizinho do mundo. É um recado visualmente forte e direto de que estamos diante de uma comédia.

Nos EUA, o pôster manteve o título próximo do original, mudando apenas o nome do protagonista, de ‘Ove’ para ‘Otto’. A opção econtra razão muito em função de o rosto do eterno bom moço Hanks ser o suficiente para atrair qualquer espectador aos cinemas dos Estados Unidos, além de vincular, claro, o nome do novo filme àquele outro sueco que esteve no Oscar anos atrás.

Com roteiro adaptado, na versão atual, por David Magee, O pior vizinho do mundo é um belo exemplo de correção e sedução na apresentação de um personagem e do desenrolar dos acontecimentos ao seu redor para o espectador. É, enfim, exemplar em como conta uma história de forma sedutora e com quase nenhuma ponta solta. Deixaremos para explicar o ‘quase’ mais abaixo.

Na primeira parte do filme, esse espectador é colocado diante do protagonista Otto (Hanks, dando fibra e credibilidade ao seu personagem) em sua mais crua versão, aquela da casca, que todos conhecem pela superfície. No Nordeste do Brasil, Otto poderia ser comparado ao velho fabular ‘Seu Lunga’, velhinho grosso, como um papel de embrulhar prego, que responde a todos no mais alto grau da frieza, pela simples falta de paciência, segundo sua perspectiva, com a idiotice que reina no mundo.

De partida, temos Otto numa loja de material de construção comprando 1,65 metro de corda e discutindo com o caixa do estabelecimento para não pagar o valor de 2 metros, conforme manda o regulamento da loja. Não se trata de economia (a diferença é de 0,33 US$), o que Otto simplesmente não aceita é ser cobrado por 2 metros quando está levando 1,65 metro.

É o mesmo Otto que supervisiona diariamente, logo cedo, antes de ir ao trabalho, o estacionamento do condomínio onde mora, observando se todos os carros ali parados estão com o seu cartão de acesso bem exposto no para-brisa; ele verifica, também, se a cancela de acesso ao terreno está bem fechada e se o lixo dos vizinhos foi ecologicamente separado.

Otto (Tom Hanks) em sua ronda matinal no condomínio. foto: Niko Tavernise

O filme abre com o último dia de trabalho de Otto. Ele está se aposentando e logo sabemos que sua vida não terá mais muito sentido fora daquele ambiente. Viúvo há seis meses, sem filhos, o que lhe resta é aguentar as chateações – na sua ótica – da mais que simpática nova família que se muda para a casa em frente a sua.

Tendo à frente a falante mexicana grávida do terceiro rebento, Marisol (Mariana Treviño, muito bem), a família inclui seu marido Tommy (Manuel Garcia-Rulfo) e duas filhas pequenas. Mas a natural alegria da agitada família não contagia Otto, pelo contrário, o irrita ainda mais.

Marisol (Mariana Treviño) quer dar um presente ao irascível Otto

É quando, num segundo momento do filme, aos poucos, o enredo vai dando, em paralelo ao tempo presente, e de forma econômica – com certeiras entradas -, dicas sobre a razão da solidão e do mau humor de Otto.

Com flashs de sua história na juventude (interpretado pelo filho de Hanks, Truman Hanks) e do romance com a esposa Sonya (Rachel Keller), as razões da dor e da raiva de Otto contra o mundo vão ficando cada vez mais claras ao espectador.

Na terceira e última parte estrutural do roteiro, Otto já está conectado ao seu presente, com um novo propósito para si, que antes não conseguia enxergar pelo embaço da raiva e da dor.

O pior vizinho do mundo vai fazer você rir sim, mas não gargalhar. O riso será contido, pelo grau de rabugice do protagonista. No entanto, o seu efeito dramático é muito mais potente aqui. Está na categoria dos humorados dos áureos anos de Hollywood, como um A felicidade não se compra, em que a graça está aqui apenas para refinar, ou adocicar, recados mais nobres e tidos como sisudos sobre o real sentido da vida.

Sobre o ‘quase’ nenhuma ponta solta que mencionamos acima, ela (a ponta solta) mostra sua presença na razão (ou na frágil razão) apresentada pelo filme justificando o fim da amizade que existia entre Otto e seu mais antigo vizinho, Reuben (Peter Lawson Jones).

Juntos e ao longo dos anos, eles melhoraram o ambiente vivido no condomínio que compartilham, mas o enredo apresenta como motivo do rompimento daquela longa amizade uma cômica divergência entre marcas de carro norte-americano: GM ou Ford, qual a melhor? Tudo bem, em termos humorísticos, mas não tudo bem quando Otto deixa escapar numa conversar sobre Reuben ter dado um golpe, abrindo margem para algo mais grave entre os dois no passado.

Talvez, mais uma vez, o cuidado para não deixar O pior vizinho do mundo maior que as suas atuais 2 horas e 6 minutos de duração tenha sido o responsável por deixar de fora uma explicação mais convincente.

Em tempo: Um bom programada duplo aqui, ver O pior vizinho do mundo com algum dos últimos Eastwoods, por exemplo, Gran Torino

 

 

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