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Livro: Rápido, barato e sob controle

Dicas rápidas, baratas e (quase) sob controle

Por Luiz Joaquim | 27.08.2010 (sexta-feira)

No contexto atual de produção cinematográfica, em que as evoluções técnicas em certa medida possibilitaram a democratização dos meios de produção e ampliaram o número de candidatos a cineastas, ter um tipo de guia de primeiros passos para escoltar estudantes indecisos parece escolha natural. A recente aquisição do mercado editorial brasileiro, o livro “Rápido, barato e sob controle” (TZ Editora), ocupa justamente esse nicho no espaço nacional.

O livro aborda filmes que foram feitos num contexto particular de falta de dinheiro, e que em geral incorporam essa precariedade como recurso estilístico e demarcação de território, em oposição aos longas-metragens de orçamentos maiores. São desvios do padrão tradicional de trabalho com cinema, e talvez por isso se configuram como exemplos ricos para jovens realizadores ainda na faculdade e que estão possivelmente emperrados e com dúvidas variadas. A narrativa inclui análises de filmes que de alguma forma interferiram no cinema, tanto na forma publicitária de distribuição (“Bruxa de Blair”, em 1999) quanto na legitimação da figura do autor, como os filmes “Sombras” (1959), de John Cassavetes, ou “Eraserhead” (1976), de David Lynch.

Gaspard escreve sobre esses filmes a partir de uma mistura de gêneros, integrando num mesmo texto algo como reportagem jornalística, por construir seu argumento a partir de depoimentos dos cineastas envolvidos, trabalho de contextualização cultural, revendo as conquistas de cada geração, e guerrilha estética, descrevendo as manobras vigorosas de criação, distribuição e lançamento de obras no mercado do cinema norte-americano independente.

A narrativa é dividida em sete capítulos, que agrupam quatro ou cinco filmes que de alguma forma se conectam. Antes de comentar as obras, o autor escreve uma pequena contextualização cultural, defendendo a escolha dos trabalhos como objetos para análise. Embora em geral sejam textos de dez ou quinze linhas, que se restringem apenas a comentários mais gerais, são úteis porque resgatam a importância que certos filmes independentes tiveram para o mercado, como o caso de “Sexo, mentiras e videotape” (1989), um dos primeiros filmes indie a sair dos “cinemas de arte” e entrar no circuito comercial. Ou então quando Gaspard explica a importância de autores como John Cassavetes ou David Lynch, que ele categoriza como diretores do tipo “não tentem isso em casa”.

Como exemplo de maior envergadura histórica, o livro comenta a figura mítica do cineasta e produtor norte-americano Roger Corman, que trabalhava no cinema B, com pouco tempo para finalizar projetos e orçamentos em geral baseados no troco do almoço. Dentro da larga carreira no mercado, que inclui direção de mais de 50 filmes, o livro destaca um de seus projetos mais conhecidos, debatido por sua filmagem com recursos mínimos e produto final de status elevado, “A Pequena Loja de Horrores” (1960), realizado em dois dias de gravação e com orçamento de U$ 30 mil. São dados que conferem um tipo de aura mítica ao longa, que incita curiosidade por operar com quantia de dinheiro e tempo de filmagem que não seguem a ordem natural de uma produção.

O livro ainda radiografa a influência de Corman no mercado dos EUA, citando exemplos de jovens cineastas que saíam da faculdade e viam no realizador um tipo de figura paterna. Como exemplo mais importante, há um dos primeiros longas de Francis Ford Coppola, “Dementia 13” (1968). É um tipo de filme em que a falta de recursos financeiros fez com que o diretor baseasse a formatação de um estilo exclusivamente a partir da modulação de recursos de câmera, edição e sonorização, o que gera um clima soturno apenas com a manipulação técnica. Há ainda os exemplos de Peter Bogdanovich e Jonathan Demme, outros cineastas que seguiriam trajetos autorais no cinema e que surgiram amparados pela experiência de Corman.

Lições de cinema

O oitavo capítulo do livro, “As lições redux”, é um tipo de compêndio geral sobre os ensinamentos articulados pelos cineastas durante a obra. Embora algumas sejam em certo sentido meio que vagas, e por isso evidentes para estudantes que já estão integrados com o sistema de filmagem, como “armazene imagens para ter várias possibilidades na edição” ou “tenha confiança nos profissionais que trabalham com você”, há outras que se afastam do lugar comum e sugerem dicas importantes para quem está começando.

O primeiro longa-metragem do grupo humorístico britânico Monty Python, “Em busca do cálice sagrado” (1975), fornece exemplos. O filme é uma releitura cômica da história do Rei Arthur e dos Cavaleiros da Távola Redonda, então naturalmente seria necessário gastar dinheiro com cavalos (e com aulas para ensinar os atores a cavalgar). A falta de dinheiro rendeu uma alternativa criativa para esse entrave: os personagens não utilizam cavalos, e seus escudeiros batem cocos durante todo o filme, simulando a presença de animais. “Chegamos a discutir se teríamos cavalos e logo desistimos, porque achamos que seria mais engraçado não ter os cavalos e porque também não podíamos bancá-los”, lembra o diretor do filme, Terry Gilliam. Nesse sentido, o livro lista exemplos variados que mostram que a falta de dinheiro organiza uma ambiência particularmente fértil para boas ideias.

Outra questão que surge com certa frequência entre os depoimentos dos diretores é a respeito do ensaio antes das filmagens. Enquanto os diretores Ron Howard e Steven Soderbergh afirmam a importância do preparo prévio e do ensaio, outro realizador, como o cineasta Henry Jaglom, comenta que “Coisas mágicas podem acontecer frente à câmera quando os atores surpreendem uns aos outros. O ensaio estraga isso”. São posições diferentes que podem dar na realização de um filme ótimo filme, indicações que sugerem que embora não existam regras definitivas para fazer um bom trabalho, é importante ouvir as dicas variadas de diretores experientes no campo cinematográfico.

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