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Livro: A Nouvelle Vague e Godard

Os bastidores de um movimento cinematográfico

Por Luiz Joaquim | 23.02.2012 (quinta-feira)

Fruto da junção de dois livros – “La Nouvelle Vague” e “Comprende Godard (1ère Partie Le Filme Manisfest: À Bout de Souffle)”- chega às livrarias brasileiras o necessário “A Nouvelle Vague e Godard”, de Michel Marie (Editora Papirus, 272 pags., R$ 56). A obra do francês Marie, professor da universidade de Sorbonne III e autor de diversos títulos importantes, como “A Estética do Filme” e “Análise do Filme” (ambos em co-autoria com Jacques Aumont e também lançados pela Papirus), é imprescindível principalmente pelo volume de informações que nos permitem analisar a performance e carreira de sucesso do primeiro longa-metragem de Jean-Luc Godard: “Acossado” (1960), obra símbolo do mais importante movimento cinematográfico francês.

Em “A Nouvelle Vague: Uma Escola Artística”, primeira parte do livro – traduzido por Juliana Araújo e Eloísa Araújo Ribeiro -, Marie faz um detalhado levantamento da performance de público do cinema francês na década de 1950. Antes, porém, lembra que a expressão Nouvelle Vague não é originária do famoso movimento cinematográfico, mas sim de uma pesquisa feita pelo Instituto Francês de Opinião Pública que, em 1957, realizou uma entrevista com oito milhões de franceses entre 18 e 30 anos. A pesquisa englobava questões sobre vestuário, hábitos morais, valores, modos de vida e práticas culturais.

O resultado foi publicado em dezembro daquele ano com o slogan “A Nouvelle Vague (nova onda) está chegando”; e o cinema não estava de fora deste cenário. Marie destaca que não é difícil imaginar que o filme iconográfico naquele momento da juventude francesa fosse “E Deus Criou a Mulher” (1956), de Roger Vadin, com Brigitte Bardot aos 22 anos “livre e emancipada”. É na revista L’Express, entretanto, que surge a expressão vinculada ao cinema pela primeira vez, em fevereiro e março de 1959, com os dois primeiros longas de Claude Chabrol: “Nas Garras do Vício” e “Os Primos”.

Marie ainda observa que de 109 milhões de francos antigos em 1955, o valor médio para a realização de um filme na França passou para 149 milhões em 1959. Neste ano, dos 133 trabalhos produzidos no país, só 26 deles tinham orçamento abaixo de 100 milhões. “Mas isso não era suficiente para taxá-los de Nouvelle Vague”, diz Marie, apesar de “muito embora esse critério orçamentário ter sido utilizado para estabelecer a genealogia do movimento”.

Em comparação com a performance de público alcançada pelos tradicionais filmes franceses daquela década, os títulos surgidos pela alcunha da Nouvelle Vague não faziam vergonha, ao contrário do que costumava se propagandear. “Os Incompreendidos”, de François Truffaut, por exemplo, foi lançado em 3 de junho de 1959 em duas salas da Champs-Élysées, e levou 450 mil espectadores em toda a França aos cinemas; além de ter saído vencedor do festival de Cannes em maio daquele ano.

É na segunda parte do livro, “O Filme Manifesto: Acossado”, quando Marie disseca todo o processo por trás do primeiro longa de Godard, que a publicação fica mais interessante. Isso porque o autor situa o leitor desde a origem familiar e cultura do cineasta e comenta o contexto de seu primeiro curta-metragem, “Operação Concreto”, 1954, feito por encomenda, e depois seus curtas de ficção. O primeiro, “O Sinal”, 1955, foi uma adaptação. Depois, em 1957, viria “Charlotte et Véronique”, a partir de uma história de Eric Rohmer, colega crítico de cinema de Godard na revista “Cahiers du Cinéma”. No ano seguinte ele faria “Une Histoire d’Eau”, em colaboração com Truffaut; e depois seu curta mais pessoal, com roteiro, diálogos e montagem do próprio Godard: “Charlotte et son Jules” (1960). Este último, diz Marie, “pode-se considerar um esboço de ‘Acossado'”.

Acossado: um lançamento excepcional

Outro mito derrubado por Michel Marie no livro diz respeito às estratégias de Godard para produzir e promover “Acossado”. Estratégias que, agora entendemos, foram determinantes para o sucesso e longevidade da obra, além de seu talento cinematográfico, evidentemente. Quem assumiu o risco de produzir este filme de um iniciante e irrequieto diretor foi Georges de Beauregard, nome essencial no processo. Foi ele quem conseguiu as assinaturas de Truffaut, como roteirista, e de Chabrol, como conselheiro técnico de “Acossado”. Atitude que foi determinante para o distribuidor e o Conselho Nacional de Cinema decidir ajudar Beaugerard num contrato com a poderosa Columbia.

Com orçamento de 51 milhões de francos antigos, Beaugerard, com a concordância de Godard, trouxe ao elenco a americana Jean Seberg, 21 anos. “Ela traz uma garantia em termos de valor de troca”, diz Marie. Antes, Seberg já trabalhara na América com Otto Preminger em “Joana D’Arc” e “Bom Dia Tristeza”, ao lado de Deborah Kerr. Dessa forma, com uma estrela americana, era a primeira vez que Godard utilizava “em proveito próprio as leis do star system e da lógica promocional”.

Habituada ao profissionalismo de Hollywood, diz-se que Seberg pensou em deixar a produção ao conhecer a equipe reduzida e os métodos de filmagens de Godard, uma vez que o diretor podia tanto trabalhar apenas duas horas por dia, e num outro, trabalhar por mais de 12 horas seguidas. Estas inconstâncias fizeram Beaugerard escrever uma carta a Godard e a equipe para que obedecessem impreterivelmente ao cronograma das filmagens.

No capítulo “Trajetória do filme e recepção crítica”, Marie revela detalhes dos três meses antes do lançamento do filme em Paris, dia 16 de março de 1960, e afirma que “Se ‘Acossado’ foi imediatamente percebido como filme manifesto foi porque se beneficiou de uma campanha promocional absolutamente excepcional para um filme de tão baixo orçamento”.

Mesmo em outubro de 1959, Truffaut dava uma entrevista num semanário sobre seu trabalho como roteirista de “Acossado”, e anunciava que Godard filmou com uma técnica revolucionária: “A câmera na mão”. No mesmo mês, a revista “France Observateurs” publicou em duas páginas um artigo e quatro grande fotos da produção. Em dezembro de 1959, a poderosa “L’Express” apresentou o filme e comentou entrevista com Godard. Dava-se o início do mito noir.

Pouco antes do lançamento circulava o trailer do filme, montado por Godard, com o dizer de “o melhor filme do ano”, tendo sido precedido pelo lançamento da trilha sonora. Em fevereiro de 1960, também estava nas livrarias um romance policial inspirado do longa-metragem e também foi realizada uma sessão para a imprensa uma semana antes do lançamento – algo inédito para filmes pequenos. No dia 9 de março já começavam a circular as críticas elogiosas ao filme em todos os periódicos e revistas parisienses – exceto pelo texto negativo de Gilbert Salachas na “Positiv”, relembra Marie.

Chega finalmente a data de lançamento e, destaca Marie, “os resultados são impressionantes para um filme de diretor desconhecido… lembrando que ele foi proibido pela comissão de controle aos menores de 18 anos”. Os números da primeira semana alcançaram 50.531 ingressos, e nas sete semanas em cartaz, juntou 259.046 ingressos vendidos, um número impressionante para época, sem contar as outras quatro semanas em cartaz por conta de uma reprise. Todas estes detalhes (e um pouco mais), trazidos e avaliados por Michel Marie, jogam uma nova luz para avaliar melhor o fenômeno Nouvelle Vague e a “pureza” por trás do movimento mais influente do cinema no século 20.

Serviço
“A Nouvelle Vague e Godard”
de Michel Marie
Papirus Editora
R$ 56

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