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Críticas

O Homem que Caiu na Terra

Entre zooms e uma edição alternando-se por duas ações, o alienígena Bowie tenta voltar para seu planeta.

Por Luiz Joaquim | 12.01.2017 (quinta-feira)

Que excitante e envolvente é ver uma criação artística com décadas de distância de seu lançamento. Se é uma obra cinematográfica então, e restaurada, em sua versão originalmente pensada pelo diretor, ela pode oferecer não apenas a empatia e curiosidade pelos aspectos tecnológicos e sociais daquela época, mas revelar também pistas de toda uma lógica narrativa habitual para aquele momento da sua concepção.

O homem que caiu na Terra (The man who fell to Earth, GB/EUA, 1976), de Nicolas Roeg (prestes a completar 90 anos em 2018) chega ao circuito comercial brasileiro hoje (12) para nos dar esse gostinho. E não apenas este gostinho.

Estrelado por David Bowie, o filme foi restaurado ano passado para celebrar as quatro décadas de seu lançamento. Com o falecimento do Camaleão do Rock também em 2016, o filme de Roeg acabou ganhando também sabor de homenagem ao autor de Space oddity.

Quando lançou esta ficção científica adaptada do livro de Walter Tavis, Roeg vinha de um sucesso reconhecido pela crítica – Inverno de sangue em Veneza – rodado três anos antes com Donald Sutherland. E o que fez de inventivo ali, muito pela fotografia de Anthony B. Richmond e pela montagem de Graeme Clifford, Roeg repetiu com ainda mais despudor em O homem que caiu na Terra.

Em outras palavras, temos uma edição alternando duas ações paralelas aqui que quase chega ao nível de um fetiche narrativo. Roeg vai apresentando aos seus espectadores pedacinhos de informações sobre o misterioso Sr. Thomas Newton (Bowie) e o professor Nathan (Rip Torn), que em algum momento irão se cruzar na história – uma tática narrativa hoje já cansada e habitualmente realizada de maneira pobre pelo cinema nos dias atuais.

O primeiro momento mais radical dessa montagem aparece quando o alienígena que veio parar em nosso planeta busca criar uma empresa com tecnologia mundialmente revolucionaria para ficar milionário – com a ajuda de um advogado de patentes (Buck Henry). Em contraponto, vemos também  a rotina desregrada de um frustrado professor universitário, Nathan (Rip Torn), cuja vida gravita em torno de seu trabalho e do sexo com suas alunas de 18 anos.

Pelas lentes de Richmond, o abuso do zoom out e zoom in também estão presentes como uma marca indelével da ideia de composição “moderna” para uma imagem em movimento nos 1970. Obviamente que a fusão de imagens, direção de arte e o figurino entram também nessa seleção de elementos que acabam dando a O homem que caiu na Terra um aspecto datado. Mas, nem por isso menos charmoso.

 

Do ponto de vista de seu discurso, o filme, com o seu homem que veio do espaço e que nos compreende pelo que captou na tevê, também faz pensar na ideia que se tinha da propagação da comunicação. Seria algo inaceitável para qualquer um que fôssemos, nós humanos, “traduzidos” pelos programas que a tevê produz.

Numa adaptação para 2016, quem sabe o alienígena não tivesse como parâmetro o Facebook para usar como referência e tentar entender os humanos?

E, já disseram, a presença aqui de Bowie, com sua androginia, não deixa espaço para a mais pálida ideia de um outro ator vivendo o angustiado alienígena que só quer voltar para casa.

A propósito, assistir O homem que caiu na Terra é experimentar o mais puro exercício cinematográfico pela sua essência de contar uma mentira convincente. Afinal, é a Bowie que estamos vendo na tela. ‘O’ David Bowie. Ainda assim, não demora nada para nos envolvermos com sua angústia de alienígena nesse mundo tão estranho. Mesmo conosco sabendo que quem está ali é o nosso terráqueo e conhecido pop-star.

Terráqueo?

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