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Uma sessão de cinema

Todo mundo tem na vida ao menos uma sessão inesquecível de cinema. Aqui vai uma das nossas.

Por Luiz Joaquim | 17.11.2017 (sexta-feira)

Estimulado por uma provocação do cineasta Kleber Mendonça Filho, que prepara uma telesérie sobre cinemas de rua, escrevemos um depoimento sobre uma particular sessão de cinema vivida por este que aqui escreve, editor do CinemaEscrito, e decidimos compartilhar com vocês, nossos leitores.

O texto vai escrito em primeira pessoa, tal qual se conta o depoimento de algo muito valioso para quem escreve.

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Em dezembro de 1982 eu vi no programa Fantástico, da TV Globo, uma reportagem sobre um filme que fazia muito sucesso nos EUA. Era sobre um extraterrestre deixado na Terra. Fiquei fascinado pelas poucas imagens do filme que o programa mostrou. Alguns dias ou semanas depois, lembro de estar com minha madrinha caminhando pela avenida Guararapes (Recife) e ver as paredes da maior banca de revista daquela região – que ficava em frente o cinema Trianon -, forrada de anúncios reproduzindo a capa da revista Veja.

Na capa, em close, a foto do E. T., de Steven Spielberg. Na minha cabeça de menino de 12 anos, aquele obviamente era um filme proibido para maiores de 18 anos, por se tratar de uma história de “montros”. Num outro dia, vendo o roteiro de cinema no jornal Diário de Pernambuco, descobri que a “censura” (chamava-se assim, na época) do filme era contra menores de 12 anos. Fiquei exultante com a possibilidade de ver o filme, mas não tinha dinheiro pra isso.

Certo domingo de janeiro de 1983, minha madrinha, Maria das Dores, ou apenas Dorinha (e, para mim, Dindinha) disse que me levaria para assistir E. T.: O Extra-Terrestre. Fomos ao Veneza. Cinema que já conhecia de outras aventuras como Buck Rogers no Século 25 (1979) e Xanadú (que vi em 1981), entre outros.

Chegamos ao Veneza para E. T. Lembro do cinema apinhado de gente, uma grande confusão para entrar, com um volume de crianças na faixa etária da minha idade como nunca havia visto em minha vida. Entramos. Minha madrinha conseguiu sentar na última cadeira do lado esquerdo de uma fila no conjunto de assentos que ficava no centro do auditório. Enquanto a sessão não começava, eu brincava, como quase todas as crianças dali, na inclinação do piso perto da tela do cinema. Os moleques usavam a inclinação como uma espécie de escorrego, tobogã, enfim.

Quando o filme ia começar, as crianças corriam para perto de seus pais. Fui pro lado de minha madrinha. Não havia cadeira pra mim. Sentei no chão ao lado da cadeira dela. Ao meu redor, no chão do corredor, um mundo de crianças (e adultos também que não conseguiram assento). Todos apertados ali, mas hipnotizados pelo filme.

Já perto do final da história no filme, quando E.T. precisa voltar ao seu planeta e despede-se das crianças, lembro que eu soluçava alto no meu choro. Nunca havia chorado por causa de um filme, não numa sala de cinema com estranhos. Foi a primeira vez. Era uma sensação esquisita. Me senti envergonhado, não conseguia controlar o choro e não sabia se aquilo estava certo. Não que tenha pensado com essa clareza, racionalmente, em meus 12 anos de idade, mas o certo é que fiquei desconcertado, lembrando de tentar esconder o choro ao final da sessão com as luzes acendendo.

Mas lembro ainda que eu não era o único a chorar. Acho que todas as crianças ao meu redor choravam forte (não sei dos adultos). E, de certa forma, aquela emoção das outras crianças ao meu lado, sentadas no chão, deve ter me ajudado a relaxar e a soltar meu primeiro choro numa sala de cinema. Alguns sentimentos só se expressam num ambiente coletivo.

No Veneza tive o meu primeiro confronto de emoção numa sala de cinema por perder uma criatura querida que foi totalmente construída dentro de uma história ficcional. Dali pra frente vivi centenas de outras histórias no Veneza até sua última sessão (a qual testemunhei) em 28 de setembro de 1998.

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