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Críticas

Eu, Capitão

Investigação soft, em embalagem sob medida ‘world cinema’ , a respeito da violenta geopolítica africana

Por Luiz Joaquim | 28.02.2024 (quarta-feira)

Seria Eu, capitão (Lo Capitano, Ita./Bel./Fra., 2023) o mais internacional filme de Matteo Garrone? A produção estreia amanhã (29) no Brasil na trilha dos títulos ‘oscarizáveis’ que invadem os cinemas no primeiro trimestre do ano. No caso de Eu, capitão, sua disputa pela estatueta será na categoria ‘melhor filme internacional’.

Mas por que a questão sobre ser ou não o ‘mais internacional’ de seus filmes? Bem, o título concorreu ao Globo de Ouro 2024 (e perdeu para Anatomia de uma queda) na mesma categoria que estará no Oscar no próximo 10 de março, além de ter conquistado o Leão de Prata (melhor direção) e outros três prêmios no Festival de Veneza (2023). De qualquer forma, não são exclusivamente a partir destes prêmios/indicações que encontraremos a resposta (e são também).

Não são porque toda a estrutura interna (estética) e externa (temática) de Eu, capitão remete a um trauma mundial que mobilizou o mundo particularmente há alguns anos, e segue ainda tocando qualquer pessoa que esteja atento à precariedade das questões humanitárias dessa nossa comunidade global.

Falamos do exôdo de africanos em travessia clandestina, articulada por traficantes, pelo Mar Mediterrâneo em direção a Europa, mais precisamente para a Itália. Situação que, por exemplo, entre 2014 e 2015 deixou mais de 10 mil mortos vitimados pelo naufrágio daquelas embarcações.

A estrutura estética de Eu, capitão, por seu lado, nos chega numa bela embalagem que, com sua fotografia, combina lindas paisagens cuidadosamente registradas de modo a realçar sua grandiosidade – numa proposta ambígua de combinação entre o deslumbramento visual e a opressão contra a vida (como a que vemos no deserto do Saara, por exemplo).

Opressão em visual bem embalado

Da mesma forma, temos aqui uma projeção idílica da vida em Dacar, Senegal, com personagens cativantes e ingénuos, como o adolescente Seydou (Seydou Sarr) e seu primo Moussa (Moustapha Fall) , transitando entre o colorido aconchego da família e a alegria da sua cultura, mas também vítimas de uma midiática sedução ocidental, tendo a Europa como sonho maior dentro de uma ideia de ascensão social, na maneira como a dupla enxerga a si próprio na possibilidade de viver como músicos.

Essa casca pronta e de poucas sutilezas, bem moldada para todas as plateias do mundo é que faz de Eu, capitão talvez o filme mais internacional de Garrone. Se olharmos para trás, a partir de Gomorra (2008) – o título que o apresentou ao mundo em sua capacidade imaginativa para contar história pelo idioma do cinema – não encontraremos essa embalagem industrial.

Pelo contrário, em Gomorra (Grande Prêmio do Júri em Cannes), ao desenrolar o emaranhado cordão que amarra a máfia napolitana, Garrone nos deu um desenho sofisticado de como apresentar o caos apenas pela falta de horizonte (e pela violência) de seus distintos personagens.  O mesmo está para o mais recente Dogman (2018), nos colocando dentro de um miserável subúrbio com seu protagonista dividido entre os negócios com a cocaína e o amor pelo seu raivoso cão. O ódio é o combustível aqui e não há possibilidades felizes para quem habita Gomorra ou Dogman.

É verdade que, um ano após Dogman, Garrone deu um sinal em neon sobre os novos caminhos internacionais para a sua carreira ao apresentar sua versão de Pinóquio (também indicado ao Oscar, por maquiagem e figurino, em 2021). Agora, com Eu, capitão ele parece dizer que sim, quer mesmo o mundo, mas não irá abandonar as investigações que lhe atraem no cinema, ou seja, os limites suportáveis vitimados pela violência física pare tentar chegar a algo, tendo como cenário um ambiente criminoso ao fundo.

Garrone: interesse por investigar a violência em suas infinitas possibilidades pelo mundo do crime

No enredo de Eu, capitão – nascido de um argumento de Garrone a partir da história de cinco menino que fizeram a travessia -, temos os inseparáveis Seydou e Moussa, com 15 anos de idade, determinados a cruzar metade da África para chegar a Trípoli (Líbia) e de lá se lançar ao mar para finalmente alcançar a Sicília (Itália).

É pelo tortuoso e ultraviolento percurso que Eu, capitão faz que Garrone vai nos deixando a par não apenas da complexa relação geopolítica daquele região africana, mas também da beleza de seu protagonista.

Entretanto, Garrone não dá conta de se aprofundar sobre o que move aquela brutalidade. Nos dá, pelo seu, filme, apenas o estupor e a incompreensão diante da barbárie que enxergamos, espectadores, incrédulos pelos olhos e pelo silêncio de Seydou.

Desta forma, Eu, capitão entrega ao mundo apenas o que o mundo quer (forte envolvimento emocional) de um filme cujo tema pede bem mais.

 

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