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Críticas

O Abismo do Medo

O inferno é um claustro escuro.

Por Luiz Joaquim | 31.07.2018 (terça-feira)

-publicado originalmente no jornal Folha de Pernambuco

Chega aos cinemas o melhor filme de horror lançado em 2006. O Abismo do Medo (The Descent, Grã-Bretanha, 2005), roteirizado e dirigido pelo escocês Neil Marshall, o título obedece a regras primordiais para obter êxito em provocar medo, ou seja, administrar, com precisão, espaço, tempo e luz. E, diga-se de passagem, o “provocar medo” no cinema tornou-se algo banal. Não é o caso aqui, pois a primeira metade de O Abismo… é um primor. A segunda, no entanto, é apenas agonizante.

A ideia para propor tensão na primeira parte repousa exatamente na noção de que o inferno está no desconhecido. No que não se domina. E é exatamente pelo que passa o grupo de seis amigas (as atrizes Shauna Macdonald, Natalie Jackson Mendoza, Alex Reid, Saskia Mulder, MyAnna Buring e Nora Jane-Noone), que partem numa expedição para explorar uma caverna virgem nos E.U.A.

De início uma delas avisa: “Lá embaixo teremos a escuridão absoluta, o que pode levar ao pânico e a alucinações visuais ou auditivas”. O tempo passa, as garotas aproveitam a beleza da caverna enquanto descem cada vez mais fundo e… nada acontece.

Mas não há erro aqui neste ‘nada acontece’. O que, a princípio, parece que vai sugerir tédio no espectador comum é, na realidade, o talento de Marshall funcionando, como que forrando uma cama em sua mais convidativa forma para,
quando o espectador deitar, não querer mais levantar, ou melhor, não poder levantar, pois percebem que estão acorrentados a ela.

Isso significa dizer que O Abismo… vai lenta e gradativamente envolvendo o público naquilo que parece ser algo relaxante (as seis amigas têm experiência em escalar) e excitante (uma expedição), até largá-los (personagens e público) no maior desalento, desorientação e desesperança possíveis.

Até o fim da primeira parte, toda a tensão concentra-se na própria natureza. Nos desafios que o escuro e o ambiente claustrofóbico da caverna podem proporcionar. Nesse quesito Marshall é primoroso, pois numa transição suave vai nos informando que há ali algo a mais cercando as garotas além de rochas, morcegos e estalactites.

É aqui onde o filme chega ao seu ponto máximo. São nos primeiros indícios desse ‘algo estranho’ que a adrenalina estimulada pela sensação de abandono faz o espectador se esticar na poltrona e arregalar os olhos para tentar entender que novo tipo de ameaça é essa que se apresenta. Numa proporção, talvez desmedida, pode-se dizer que esse primeiro momento de O Abismo… procura investigar o medo como assim o fez o marcante A Bruxa de Blair (1999).

Chega-se na segunda parte e a sutileza da sugestão perde espaço para o excesso na plástica explícita da violência. Muda-se o ritmo, a montagem, enquadramento e até a conduta moral das amigas. Mas Marshall é competente o suficiente para manter o espectador na cadeira. Só que, a partir daí, se contorcendo.

Questão interessante também é a presença exclusiva de mulheres nessa aventura, remetendo, de imediato a Alien – O Oitavo Passageiro, outro clássico da luta pela sobrevivência num lugar onde ninguém pode lhe ajudar.

A música composta por David Julyan também é especial. Cola em você, mas o espectador não percebe. Apenas quando o filme encerra, os créditos sobem, e se sai da sala ainda ao som da melodia é que o público se dá conta da trilha-sonora medonha que o embalou por 99 minutos.

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